Vai muito mal o comércio exterior, fonte importante de emprego e de atividade industrial, mas nem tudo é má notícia nas novas projeções do Banco Central (BC) para as contas externas. Para o otimista militante há pelo menos duas boas novidades. O buraco na conta corrente, agora estimado em US$ 53 bilhões, será pouco menor que o apontado na previsão anterior (US$ 56 bilhões). Além disso, o déficit será coberto com folga pelo investimento estrangeiro direto, projetado em US$ 60 bilhões. Para quem se preocupa mais com fluxos financeiros do que com produção, tudo bem. Não há motivo para inquietação, até porque o rombo em transações correntes ainda será administrável, embora deva corresponder a 2,3% do produto interno bruto (PIB), pouco mais que no ano passado (2,1%).
O cenário é menos luminoso para quem dá mais valor à atividade real e à geração de empregos do que ao entra e sai de capitais, mesmo quando o dinheiro de fora é oficialmente destinado ao setor produtivo. Quem pensa de outra maneira talvez devesse levar em conta a história recente do setor sucroalcooleiro. Durante alguns anos, pipocaram projetos de grandes empreendimentos. O Brasil logo se tornaria, segundo o discurso oficial, capaz de inundar o mundo com álcool barato. Onde estão todo aquele dinheiro e todos aqueles investimentos fantásticos?
Para quem prefere pensar mais prosaicamente sobre a produção, as novas projeções do BC são tenebrosas. O superávit comercial previsto para o ano, US$ 18 bilhões, é o mesmo da projeção anterior. Mas esse número só se manteve porque o mesmo valor, US$ 10 bilhões, foi cortado tanto das exportações quanto das importações projetadas. A estimativa do valor exportado caiu de US$ 258 bilhões para US$ 248 bilhões. As importações, segundo as novas contas, devem ficar em US$ 230 bilhões.
Pela estimativa anterior, a receita comercial ainda seria 0,8% maior que a do ano passado (US$ 256 bilhões). Pela nova projeção, será 3,1% menor que a de 2011. O gasto com as compras seria 6,2% superior ao do ano anterior. Pela reestimativa, será 1,7% maior.
Os números absolutos obviamente importam, mas é muito mais inquietante o descompasso entre exportações e importações. Os novos números projetados pelo BC corroboram uma tendência observada na maior parte deste ano e já registrada antes da crise de 2008. Se alguma crise é refletida nas contas externas, seus efeitos são bem mais sensíveis na atividade exportadora do que na importadora. Os danos são maiores para as fábricas em operação no Brasil do que para suas concorrentes.
O descompasso é observável nos números acumulados até a terceira semana de setembro. Nesse período, as exportações renderam US$ 175,6 bilhões e as importações custaram US$ 160,3 bilhões. Pelo critério das médias dos dias úteis, o valor exportado foi 4,8% menor que o de um ano antes. O das importações, apenas 0,6% inferior ao de igual período do ano passado. Pela mesma comparação, o superávit da conta de mercadorias ficou 33,9% abaixo daquele registrado no mesmo prazo de 2011.
Não se trata, obviamente, apenas de um problema de curto prazo. Em épocas de crise, o baixo crescimento econômico tende a refletir-se em aumento do saldo comercial. Quanto à variação do PIB neste ano, ninguém pode ter grande ilusão. O Ministério do Planejamento já reduziu de 3% para 2% sua previsão de crescimento econômico para este ano. Analistas do mercado financeiro e de consultorias já chegaram a números menores, com a mediana próxima de 1,6%. Mesmo com o início de recuperação indicado por informações recentes, o resultado de 2012 dificilmente ficará fora da faixa de 1,5% a 2%. As importações, no entanto, se mantêm bem mais firmes que as exportações.
É uma crise estranha, pelos padrões internacionais, e suas características têm forte relação com o nível de emprego e com a expansão do crédito. O governo jamais chegou de fato a contrair seus gastos e mesmo neste ano seria um exagero falar de aperto fiscal, apesar da quase estagnação da receita da União. A nova projeção é de crescimento na faixa de 1,5% a 2%. Pela anterior, a arrecadação aumentaria entre 3,5% e 4%.
Embora o grande problema esteja claramente do lado da oferta, o governo insiste em alimentar a demanda e continua tentando expandir e baratear o crédito. Para isso, decidiu destinar mais R$ 21 bilhões do Tesouro Nacional ao Banco do Brasil e à Caixa Econômica. Medidas desse tipo devem produzir efeito muito mais velozmente que os estímulos à produção concedidos por meio da redução de encargos e de programas de investimentos em infraestrutura. Em vez de se concentrar no alvo certo, o governo insiste em gastar munição do lado errado.
Fonte: O Estado de S. Paulo, 26/09/2012
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