No epicentro da crise econômica atual está a ameaça de explosão da dívida pública, num quadro de recessão aguda, gasto resistente à queda, e arrecadação em queda livre. Como a União atrelou as finanças dos estados às suas, por ocasião da última renegociação de dívidas, o que nem sempre é percebido, na prática virou um governo só, com déficits para todos os lados. O governo se desgastou com os mercados ao anunciar seu gigantesco déficit de 2015, mas, como é dono do Banco Central, financiou- o facilmente, sem quase ninguém perceber. Já o financiamento dos déficits dos estados pela mesma via seria mais difícil de esconder, e a reação na mídia seria a pior possível, pois firmou- se a ideia de que os estados comandam esse processo e são os únicos vilões da história. Por isso, tiveram de inventar receitas extraordinárias onde isso fosse possível, como no caso dos depósitos judiciais, e jogaram boa parte dos gastos embaixo do tapete. Só que a mesma fórmula não conseguirá se repetir em 2016. Ou seja, não há como evitar que a crise financeira estadual apareça este ano com toda a força.
Não posso deixar de destacar a dificílima situação da nação carioca. Apesar de os políticos evitarem dar notícias ruins, os atuais dirigentes do Rio mostraram muita coragem ao anunciar um “buraco” financeiro potencial da ordem de R$ 20 bilhões em 2016, seguramente o maior de todos os estados.
Volto às causas básicas para dizer que na raiz da crise fiscal está o excesso de gastos com previdência, assistência social e pessoal. Na União, representam quase 75% do total. Em vários estados, o gasto com pessoal e previdência dos servidores ultrapassa 70% da receita, apesar de limites legais abaixo disso. A rigor, União e estados estão atolados no mesmo lamaçal. Se a arrecadação não cresce, vem a crise.
No caso do Rio, há forte dependência da atividade ligada ao petróleo e, portanto, da Petrobras. Responsável por 10% dos investimentos do país, essa empresa está se desmanchando sob os efeitos do maior escândalo de corrupção de nossa história e de políticas equivocadas, como as ligadas ao pré-sal.
Uma decisão corajosa do Rio foi separar o velho regime previdenciário em dois, algo praticamente sem similar nos demais estados. O novo contém os que ingressaram a partir de setembro de 2013, com benefícios limitados ao teto do INSS, e já nasceu equilibrado, financeira e atuarialmente, além de pôr um fim às velhas aposentadorias milionárias. Quem quiser mais que o teto terá de contribuir para outro fundo, este ainda mais equilibrado, pois paga o que o dinheiro ali aplicado render. Já no velho regime, a conta é alta, embora tenha ficado com data marcada — mesmo longínqua — para acabar, e foi “casado” com os fluxos futuros dos royalties do petróleo, que, em condições ideais, passariam a dar cobertura a boa parte dessa dívida.
Só que, fora do controle do Estado, a atual queda nos preços externos do petróleo fez com que as receitas com os citados royalties desabassem, abrindo um buraco de grandes proporções no Rioprevidência. E essa situação pode piorar bem mais, se os juízes do Supremo confirmarem a Lei 12.734, que redistribuiu 30% dos royalties do Rio para os demais estados, exatamente quando as contas do Rio estavam às vésperas de explodir.
Nesses termos, em que pesem as críticas a mais um socorro federal etc., a União, mesmo em frangalho político, e além de cuidar mais uma vez do seu próprio déficit, não escapará da busca de caminhos para equacionar o financiamento de um déficit primário expressivo dos estados este ano, sob pena de total desorganização das finanças regionais. Fico pensando no que poderia acontecer com os serviços de segurança e saúde de cidades como o Rio, verdadeiro barril de pólvora social, sem recursos para pagar pessoal e despesas essenciais, especialmente no ano das Olimpíadas.
O ponto central é que, diante da rigidez do gasto e sem reformas que atuem nessas áreas, a conta nunca fechará, especialmente diante do rápido envelhecimento de nossa população. Assim, para não parecer que se trata apenas de mais um resgate financeiro interna corporis, será preciso montar uma frente coesa de governadores de peso, último grupo com alguma credibilidade política que resta no momento, para atuar junto com o governo e com lideranças respeitadas no Congresso em favor da aprovação de três fatias de reformas. Na primeira, estarão medidas nas áreas de previdência, assistência social e pessoal, aplicáveis a todos os níveis de administração, e em especial por parte da União. Na segunda, se trataria apenas da reforma relacionada com pessoal ( inclusive previdência dos servidores), específica para estados e municípios. Na última, viriam as reformas individuais de cada estado, uma vez que cada um tem características específicas a serem consideradas. O Rio deu um passo à frente dos demais ao apresentar há pouco sua reforma específica à Alerj. Temo apenas que, sem a proteção do andamento das demais tranches, seu esforço esbarre em resistência ainda maior dos interesses corporativos locais.
Fonte: O Globo, 14/03/2016.
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