O economista Marcos Lisboa, presidente do Insper, diz que, sem mudanças na Previdência, a maior das despesas públicas obrigatórias, faltarão recursos para saúde, educação e para investimento em infraestrutura urbana. O economista, que foi secretário de Política Econômica do governo Lula, diz que não existe alternativa à reforma. Paulo Guedes, ao assumir o ministério da Economia, chegou a dizer que, se ela não fosse aprovada, o plano B seria desvincular todo o Orçamento. Lisboa ressalta, porém, que a mudança nas aposentadorias deve ser seguida por outras reformas, como a abertura econômica. O economista também critica retrocessos na agenda liberal de Guedes, como concessão de subsídios à Sudene e a decisão de taxar o leite importado. Para ele, são medidas que seguem o padrão Dilma Rousseff.
O Globo – O Insper tem estudado a questão da Previdência. Quais as principais conclusões?
Marcos Lisboa – Tivemos um envelhecimento muito rápido da população, em decorrência de uma mudança demográfica também muito rápida. Chegamos a ter nove trabalhadores para cada aposentado. Hoje estamos com quatro. Isso também vai cair, e quem paga a remuneração do aposentado é o trabalhador. Alguns estados não têm dinheiro para pagar salários, manter viaduto, cuidar do saneamento. E a má notícia é que esse é só o começo da crise. A falta de dinheiro vai aumentar com o envelhecimento da população, mesmo com a reforma.
O Globo – Mesmo com a reforma?
Marcos Lisboa – A reforma resolve o fluxo, a entrada, mas tem um estoque que vai aumentar. Tem uma imensa quantidade de servidores públicos que vão se aposentar com as regras atuais. A reforma é necessária para parar de piorar, mas ela não resolve a piora já programada dos problemas de estados e municípios e dos já aposentados. O custo da Previdência é muito alto e vai ser agravado por esse pessoal que a reforma não afeta. Não estamos investindo na manutenção de viadutos, pontes, estradas e em saneamento. Se não investir, mais pontes e viadutos vão cair. Tem que reduzir as despesas obrigatórias, como a da Previdência, senão vamos ter problemas crescentes na infraestrutura urbana do país.
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O Globo – Como avaliou os pontos da reforma que o governo divulgou?
Marcos Lisboa – Era o esperado. A boa notícia é que não teve surpresa. Há um certo consenso sobre a reforma da Previdência. Confesso que não entendo por que não aproveitaram a do governo Temer. Poderiam fazer pequenos ajustes e seria mais rápido. Às vezes tem uma lógica da política, da vaidade, sobre quem é o dono da ideia, que a gente não entende.
O Globo – A reforma de Bolsonaro terá impacto significativo nas contas públicas?
Marcos Lisboa – Ela é essencial, é fundamental e tem que ser apoiada, mas vai resolver todos os problemas? Não. É o começo de uma longa trajetória. Temos que abrir a economia para o comércio exterior, reduzir subsídios… E tem uma reforma tributária difícil de ser feita. Parece que nessa área o governo está completamente perdido, que está muito mais comprometido com uma agenda corporativista. E há uma superficialidade nas discussões que surpreende.
O Globo – O governo está cedendo em questões como subsídios?
Marcos Lisboa – O governo renovou e aceitou subsídios para Sudene (Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste), para a Sudam (Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia). O governo tem preservado políticas tradicionais do governo Dilma. Não se tratou mais da agenda do Sistema S. A boa notícia é que o time que está cuidando da Previdência é fantástico. Pena que parte desse governo foi contra essa reforma um ano e meio atrás.
O Globo – Em que áreas o governo decepcionou?
Marcos Lisboa – Quem diria que, no começo do mandato, um governo liberal ia sancionar subsídios e discutir retomada de proteções setoriais… Não é só a tarifa do leite (o governo decidiu manter proteção contra leite importado), é a proteção de bens de capital, todas as medidas criativas para lidar com o problema dos estados, como usar receita futura para pagar despesa corrente. Isso é padrão governo Dilma Rousseff, não esperava ouvir isso nunca mais, mas ouvimos de novo esta semana, e isso preocupa. Eu entendo não ter agenda para o resto, dada a prioridade da Previdência, mas retrocesso a essa altura do jogo é um pouco demais.
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O Globo – Como está vendo a mobilização política?
Marcos Lisboa – A impressão é que está tudo muito atrapalhado. Pelo menos tem o presidente (da Câmara dos Deputados) Rodrigo Maia, que, como a equipe da Previdência, é do ramo e tem uma agenda arrumada há anos. Há razões para ficar otimista.
O Globo – Tratar da reforma dos militares separadamente não provoca resistência?
Marcos Lisboa – Acho que os militares têm uma carreira diferente. Não precisa uma emenda constitucional. Mas espero que todos entendam que o país entrou numa rota de autodestruição porque ninguém queria ceder, e andamos para trás. A renda do trabalho nos países emergentes fora da América Latina cresceu 127% entre 1995 e 2016, no Brasil cresceu 18%. Estamos num jogo destrutivo em que cada pequeno grupo defende o seu favor público. É o industrial que tem um subsídio do BNDES, é o outro que não consegue competir com o produto importado, o comércio ou serviço que tem regime tributário favorecido, o pequeno produtor que tem o benefício do Simples, o servidor público que tem uma aposentadoria privilegiada. Esse jogo de autopreservação dos privilégios, que é disseminado no Brasil, está levando (o país) ao retrocesso.
O Globo – O ministro da Economia, Paulo Guedes, disse que tinha um plano B se não conseguisse aprovar a reforma, que era desvincular todo o Orçamento. É viável?
Marcos Lisboa – Desvinculação é fazer a reforma da Previdência, que é o maior gasto público. Ou é Previdência, ou é cortar gastos em saúde e educação, ou é nada. Não pode reduzir salário de servidor, não pode cortar aposentadoria, não pode mexer nas transferências para estados e municípios, o que sobrou para desvincular mesmo? Saúde e educação.
Fonte: “O Globo”