A campanha eleitoral deste ano já nos permite extrair algumas ilações: o modelo de propaganda eleitoral, que torna caras as campanhas e faz a fortuna dos marqueteiros, parece esgotado, pois a população já não atura mais clichês, truísmos, excentricidades, rimas pobres e discursos vazios; a democracia não pode conviver com uma miríade de partidos políticos (32) constituídos quase sempre com o objetivo de angariar recursos do Fundo Partidário e de negociar tempo para a propaganda eleitoral, e registrados no pouco plausível pressuposto de que receberam o apoiamento mínimo (hoje, 491.656 eleitores, com registro em pelo menos 9 unidades federativas, contando em cada uma delas com o apoio correspondente a, no mínimo, 0,5% dos votos válidos na última eleição para a Câmara dos Deputados). Também a qualidade da maioria dos candidatos é deplorável, além dos apelidos ridículos e da imprópria referência à atividade profissional ou à confissão religiosa do candidato.
As preferências nos pleitos majoritários têm sido formadas a partir de matérias, inclusive debates, veiculadas pela mídia, discussões nas redes sociais e uma espécie de sentimento difuso que perpassa a sociedade, correspondendo a uma insatisfação generalizada, ainda que não tão recente, com a política, os serviços públicos e a economia.
Não temos a tradição de realizar discussões substantivas sobre temas que interessam à sociedade, à exceção de algumas iniciativas patrocinadas por grupos organizados.
É certo que seria difícil de tratar alguns temas durante a campanha eleitoral, em virtude de sua complexidade ou delicada sensibilidade, a exemplo das questões decorrentes do mal assimilado processo de urbanização no Brasil e dos problemas de uma juventude massacrada por apelos consumistas e hedonistas.
O Brasil, em cinco décadas, deixou de ser majoritariamente rural para converter-se num país francamente urbano, com 85% de sua população residindo nas cidades. A despeito disso, continuamos a cultuar a agenda caduca da reforma agrária, em franco contraste com o sucesso de um agronegócio altamente tecnológico e competitivo.
A intensa urbanização gerou deseconomias de aglomeração, traduzidas pela precariedade da mobilidade urbana e do saneamento, e mal atendidas demandas por serviços públicos de educação e saúde.
Essas questões jamais poderão ser resolvidas com a atual estrutura federativa. É preciso conceber uma nova forma de repartição dos encargos públicos e articulação intergovernamental. Para tal, é necessário investir em modelos de cooperação e construir paradigmas que possam ser replicados. Certamente, esse caminho não passa pela distribuição de recursos por meio de emendas parlamentares e ministérios das cidades ou equivalentes.
Impressiona muito a desatenção com a juventude. Segundo o IBGE, 1 em cada 5 jovens de 15 a 29 anos nem estuda nem trabalha. São os nem-nem, sem presente e, talvez, sem futuro.
A tragédia das drogas não é suficientemente discutida e muito menos cuidada. Qualquer pessoa provida de mínima sensibilidade fica perplexa com as “cracolândias” de São Paulo.
Uns defendem a liberalização do consumo da maconha, no propósito de enfraquecer o tráfico, esquecendo que existem outras drogas. Outros postulam, mais ousadamente, a liberalização de todas as drogas, confiando em que os traficantes ingressarão num programa de ressocialização ou na vida monástica. Há, ainda, os que entendem que a formalização do mercado de drogas geraria receitas tributárias. Estes desconhecem os fenômenos da sonegação, do contrabando e do descaminho, sem falar de uma improvável e patética discussão, no Conselho de Política Fazendária, sobre a alíquota efetiva e a substituição tributária aplicáveis às drogas.
É óbvio que não se deve criminalizar o consumo de drogas. O país carece, entretanto, de uma política pública de drogas que propicie tratamento digno ao usuário e prevenção do uso.
Em outro artigo, tratarei das eleições e a reforma tributária.
Fonte: O Estado de S. Paulo, 4/09/2014
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