No triste fim de semana passado, lembrei-me de um texto de George Santayana, filósofo e poeta espanhol. Uma das frases é instigante: “…quando a experiência não é retida, como acontece entre os selvagens, a infância é perpétua.”
De fato, três anos após a tragédia de Mariana, apesar das inúmeras advertências da academia, dos ambientalistas e do Ministério Público, o que aprendemos?
Foram 19 mortos e nenhuma condenação; empresas envolvidas em desastres ambientais quitaram apenas 3,4% dos R$ 785 milhões aplicados em multas; das 24.092 barragens cadastradas no país, apenas 3% foram vistoriadas em 2017 e, dentre essas, 723 apresentam riscos de acidentes e danos potenciais altos; famílias que tiveram suas vidas destruídas pelo rompimento da barragem do Fundão (2015) ainda aguardam indenizações, pois o acordo entre a promotoria e as mineradoras foi fechado apenas em outubro do ano passado, quase três anos após a tragédia.
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Na Assembleia Legislativa do Estado de Minas Gerais, somente um dos três projetos de lei apresentados pela Comissão Extraordinária de Barragens foi aprovado. Dormem em gavetas os outros dois, que preveem restrições para a construção de barragens e direitos para os atingidos. No Senado, projeto que endurecia a política de segurança de barragens foi arquivado.
Muitas perguntas objetivas continuam sem respostas consistentes: o que foi feito para recuperar o Rio Doce? Quais as medidas adotadas para aprimorar a fiscalização das barragens?
Nesse marasmo irresponsável, lamentavelmente a história se repetiu em Brumadinho. A impunidade em relação ao que ocorreu na barragem do Fundão, em Mariana, é certamente uma das causas da tragédia de Brumadinho. O rompimento da barragem da Vale na Mina do Feijão não foi, obviamente, um acidente ocasional. Em Mariana e Brumadinho, o que ocorreu foram crimes, praticados pelas empresas que negligenciam na construção, manutenção e no monitoramento desses empreendimentos e pela leniência do Estado na concessão de licenciamentos e na fiscalização. Dessa forma, além da indignação e da vergonha que sentimos como brasileiros, precisamos cobrar as punições dos agentes privados e públicos.
O enredo e o filme são conhecidos. As autoridades sobrevoam a área devastada, declararam estado de calamidade e prometem providências e recursos. Os dados orçamentários, porém, também espelham o descaso do poder público.
Conforme dados pesquisados pela Associação Contas Abertas, com base em critérios de um estudo de técnicos do Senado, nos últimos 19 anos (2000 a 2018) dos R$ 444,4 milhões autorizados no Orçamento da União para ações destinadas às barragens, efetivadas pelos ministérios da Integração, Minas e Energia e Meio Ambiente, somente R$ 167,3 milhões (37,6%) foram realmente pagos. Logo após o maior acidente ambiental do país, em Mariana, em 2015, no auge da consternação, o orçamento conjunto das pastas destinado às barragens praticamente dobrou, passando de R$ 62,3 milhões para R$ 121,9 milhões (2016). No entanto, no fim de 2016 o valor efetivamente gasto somou apenas R$ 22,7 milhões, praticamente o mesmo de 2015. Em 2017, o gasto efetivo ficou no mesmo patamar, tendo aumentado para a casa dos R$ 32,8 milhões em 2018. Para 2019, pasmem, o valor autorizado é de apenas R$ 67,9 milhões, praticamente o mesmo de 2015, o ano da tragédia de Mariana!
Para que o leitor tenha uma ideia de quanto são insignificantes esses dispêndios, o valor pago no ano passado (R$ 32,8 milhões) é inferior às despesas da União com festividades e homenagens (R$ 40,4 milhões).
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O minguado orçamento para ações relacionadas às barragens é mais uma evidência de que não absorvemos as experiências passadas. Assim, vale a pena reler as frases finais de um parágrafo do texto do espanhol George Santayana, publicado em “A vida da razão” (1905): “…quando a experiência não é retida, como acontece entre os selvagens, a infância é perpétua. Aqueles que não conseguem lembrar o passado estão condenados a repeti-lo”. Quando irá acontecer a próxima tragédia?
Fonte: “O Globo”, 29/01/2019