Diz que uma vez perguntaram a Bertrand Russell: e como vai sua esposa? Qualquer “bem, obrigado” resolveria, mas a cabeça de lógico e matemático fez o professor vacilar: mas comparando com quem? Eis aí, comparar e medir, os instrumentos do conhecimento. Assim, os seis meses de recessão no Brasil, comparados com os quase dois anos dos EUA, formam uma marolinha. Comparados à mera desaceleração chinesa, que saiu de um crescimento anual de 11% para 8,5%, o Brasil sofreu um tsunami.
O crescimento aqui foi de um ritmo anualizado de 6%, antes da crise, para uma queda de 13% no último trimestre de 2008. (Ou seja, em 12 meses, o Brasil teria uma recessão de 13% se o resultado de outubro/dezembro se repetisse nos três trimestres seguintes.) E aí, como ficamos? Comparações entre países são mais complexas. O Brasil saiu da recessão no segundo trimestre deste ano, quando o PIB cresceu 1,9% contra o período anterior. Já a Coreia do Sul conseguiu 2,4% no mesmo período e na mesma base de comparação. Mas havia caído mais nos trimestres anteriores.
Comparar o Brasil com o Brasil mesmo, antes e depois da crise, pode ser mais interessante. Verifica-se, em números, o que perdemos e depois cada um decide se foi marolinha, tsunami ou qualquer coisa intermediária.
Considere o emprego. Em setembro de 2007, havia 20,7 milhões de pessoas trabalhando nas seis principais regiões metropolitanas pesquisadas pelo IBGE.
Um ano depois, eram 21,4 milhões, um ganho de 700 mil empregos. Em julho/ 09, último dado disponível, eram 21,3 milhões, praticamente a mesma coisa do momento pré-crise. Conclusão: 700 mil empregos deixaram de ser criados, dada a perda do ritmo de crescimento.
Mais ainda: no período de novembro/ 08 a agosto/09, de mergulho e saída da crise, a economia perdeu 34 mil empregos com carteira assinada (dados do Ministério do Trabalho). No período novembro/07 a agosto 08, imediatamente antes da crise, a economia havia gerado 1,3 milhão de postos.
As exportações brasileiras, que haviam dado um salto espetacular no boom mundial (de US$ 60 bilhões/ano em 2002 para US$ 200 bilhões em 2008), estão perdendo nada menos que 25% neste ano. Estamos deixando de exportar, e, pois, de produzir, mercadorias no valor de US$ 50 bilhões.
Agravante: caíram pesadamente as exportações de manufaturados. As vendas de carros caem 41%, até agosto. As vendas para EUA e Argentina caíram em torno de 40% até aqui. E aumentaram 20% as exportações para a China, agora nosso maior cliente, que nos compra basicamente commodities. O comércio externo perdeu qualidade.
As importações também vão cair US$ 50 bilhões neste ano — com grande perda nas aquisições de máquinas e equipamentos.
Paralelamente, os investimentos, garantia de crescimento futuro, caíram para 15% do PIB no segundo trimestre, voltando ao nível de 2003. Estavam em 18,5% antes da crise, com a expectativa de chegar aos 20% e sabendo-se que o país precisaria investir 25% para crescer forte, sem inflação. Além de reduzirem os investimentos, as indústrias passaram a utilizar menos a capacidade instalada. Daí a queda na produção industrial. Crescia a 9,5% ao ano em setembro/ 08, caía 10% em julho último.
Se foi marolinha ou não, cada um julga por si. Agora, tudo somado, subtraído e comparado, não é verdade dizer que o Brasil foi o último a entrar e o primeiro a sair da crise, nem que saiu mais forte. Alguns, como China e Índia, mal entraram e vários saíram juntos no segundo trimestre, alguns em ritmo bem mais acelerado.
E nenhum ficou mais forte se perdeu produção, investimentos e eliminou ou deixou de gerar empregos.
E nem seria preciso recorrer a conclusões falsas para mostrar que o Brasil resistiu bem à crise. Mas como o presidente precipitou-se com aquela história da marolinha, agora fica o seu pessoal tentando dizer que quase não houve crise e que o que houve de ruim foi solucionado por Lula, que mandou o governo intervir e gastar.
Não foi. O Brasil resistiu bem, muito bem, por combinação de virtudes e defeitos. Virtudes: a base macroeconômica e, especialmente, as reservas que eliminaram a dívida externa pública. Defeitos: o fato de ser uma economia com exportações limitadas e crédito restrito, numa crise que afetou mais o comércio externo e os empréstimos.
(O Globo – 24/09/09)
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