O presidencialismo de coalizão não é inexoravelmente instável, nem promove a ingovernabilidade crônica ou cíclica. Mas, por suas singularidades, e pela instabilidade que lhe é inerente, ao assentar a governança em uma grande coalizão, portanto com graus irredutíveis de heterogeneidade, requer mecanismos ágeis de mediação institucional e resolução de conflitos entre os poderes políticos da República, para além do poder moderador do Judiciário.
Esta é a conclusão a que chega o cientista político Sérgio Abranches ao revisitar nosso método de governo que ele foi o primeiro a definir como “presidencialismo de coalizão” em artigo de 1988. Para Abranches, o ponto crítico é que o presidencialismo de coalizão padece de fluidez institucional.
“O conflito entre Legislativo e Executivo se agrava irresolúvel, na ausência de mecanismos institucionalizados e legítimos de mediação e arbitragem”. Sem limites definidos e amplamente compartilhados que criem mecanismos de mediação dos conflitos e de resolução dos impasses entre Executivo e Legislativo, agravam-se os riscos de crises institucionais cíclicas, adverte Sérgio Abranches.
Este é um problema sério, que tem raízes históricas, e que só encontrará solução em inovações constitucionais que permitam maior equilíbrio entre os poderes, mais rápida e eficaz resolução de crises entre Executivo e Legislativo e criem espaço para a recomposição de maiorias capazes de assegurar a governabilidade. O modelo institucional brasileiro é cronicamente deficitário de recursos de resolução de conflitos, que frequentemente bloqueiam o processo decisório, analisa o cientista político.
“A tendência à hiper judicialização em todos os setores da vida econômica, social e política, marcados por contenciosos que não se resolvem sem mediação externa é um sintoma evidente dessa anemia institucional”. Esse quadro revela a necessidade de rápida institucionalização de procedimentos de negociação e resolução de conflitos que evitem que todas as crises desemboquem nas lideranças e, sobretudo, na Presidência, que todos os contenciosos sobrecarreguem o judiciário de demandas por arbitragem.
“Pode ser, eventualmente, alguma forma de governo de gabinete”, diz ele, referindo-se aos chamados sistemas semi-presidencialistas ou semi-parlamentaristas em vigor em países europeus como a França e Portugal. O importante, analisa Abranches, é que já está claro, com quase três décadas de funcionamento ininterrupto e várias crises, que o presidencialismo de coalizão no Brasil, é governável, tem capacidades institucionais bastante robustas, mas tem um déficit institucional na resolução de crises de impasse polarizado entre Executivo e Legislativo.
“Não se trata apenas de rever o mecanismo de voto em si, é preciso repensar as campanhas eleitorais, para deixar de serem uma batalha caríssima entre marqueteiros que escondem, em lugar de expor os candidatos. Campanha deve expor os candidatos ao escrutínio persistente do eleitorado, informá-lo adequadamente sobre as intenções, valores e capacidades dos candidatos, para fazerem uma escolha informada”.
Também os mandatos devem estar sujeitos à renovação por algum tipo de recall e algum mecanismo de convocação eleições antecipadas. “O processo de responsabilização política do Presidente da República precisa ser mais transparente e mais ágil, ainda que como recurso de última instância”.
Como fazer essas mudanças e que desenho institucional se deve adotar são questões para um debate alentado, transparente e democrático, diz Sérgio Abranches, advertindo que “não seria admissível promover mudanças de afogadilho, com motivações conjunturais”.
Instaurar, por exemplo, o presidencialismo de gabinete, no curto prazo, como solução para o trauma pós-impeachment, seria, para Abranches, “um erro que comprometeria ainda mais a democracia brasileira. Todo casuísmo institucional é ruim”. Como o presidencialismo de gabinete seguiria sendo de coalizão, dadas as características estruturais da sociedade brasileira, ele teria que ser ajustado à nossa realidade, adverte.
“Qualquer mudança dessa natureza demandaria debate amplo e transparente, investigação técnica de viabilidade e desenho constitucional, deliberação coletiva bem informada e decisão em um contexto de normalidade política, evitando-se ao máximo a contaminação de uma decisão constituinte sobre a ordem institucional por considerações casuísticas ou personalizadas.”
É, em suma, diz Sérgio Abranches, “um desenho para o longo prazo, para o futuro, não para resolver as aflições do dia”.
Fonte: O Globo, 3 de janeiro de 2016.
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