Durante alguns anos os países signatários do extinto Gatt discutiram e aprovaram a criação da Organização Mundial do Comércio (OMC) com suas inúmeras regras buscando a garantia do livre-comércio. Entre essas regras está a possibilidade de os países se protegerem contra ações desleais por parte de empresas de seus parceiros comerciais, entre as quais está a mais nociva delas, a prática de dumping. Quando há importações a preços de dumping a indústria nacional é desafiada e prejudicada por produtores estrangeiros não por serem estes mais competitivos, mas por atuarem de forma desleal. De fato, a indústria nacional embora possa ser tão ou mais competitiva do que os rivais estrangeiros, não consegue competir porque as importações são realizadas a partir de preços artificialmente baixos.
A prática de dumping, no contexto da OMC, significa exportar a preços inferiores aos preços de venda do mercado interno originário. Dessa maneira, um preço de dumping não necessariamente é um preço abaixo dos custos de produção. Porém, a firma que exporta a preços de dumping financia essas vendas externas por meio do preço que pratica no mercado interno originário. Ou seja, no seu mercado interno originário a firma pratica preços que cobrem os custos de capital, os custos de oportunidade do capital investido e seus demais custos. Assim, o preço praticado no seu mercado interno originário é o preço eficiente: o preço que remunera de maneira adequada o investimento e os recursos sociais de produção envolvidos.
[su_quote]Preços artificialmente desalinhados sinalizam erradamente e reduzem a eficiência econômica
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Perante a ocorrência de tal prática desleal de comércio, a OMC prevê a aplicação de medidas antidumping. Dessa maneira, medidas antidumping não promovem uma “proteção à indústria doméstica necessária pela falta de competitividade”; mas, apenas equalizam as condições da competição deturpadas pela prática de preços desleais. A aplicação de uma medida antidumping não deve ser entendida como uma proteção excepcional a um setor da economia nacional. Elas apenas restabelecem as condições de competição leais, que no longo prazo são benéficas para todos, mesmo para os consumidores que no curto prazo poderiam beneficiar-se de um preço menor.
Medidas antidumping compensam um desvio em relação ao preço eficiente, o preço que remunera o capital investido, o preço que surge da livre interação entre oferta e demanda. Essa discussão conceitual é fundamental, uma vez que é o sistema de preços o responsável pela alocação eficiente de recursos. Nesse sentido, quando uma medida antidumping é aplicada, a concorrência é protegida, ao impedir o deslocamento de concorrentes eficientes e propiciar que empresas domésticas competitivas possam remunerar adequadamente o capital investido. A medida antidumping, dessa maneira, não é apenas uma proteção ao emprego (sem o qual não existe consumidor), mas também uma proteção à indústria: é proteção da concorrência justa e leal. Não por outro motivo a legislação antitruste de todo o mundo condena os cartéis porque elevam artificialmente os preços, impedindo a alocação eficiente de recursos. Mas também condena o preço predatório, ou seja, preços baixos, que deslocam ou impedem a entrada de competidores eficientes, da mesma maneira impedindo a alocação eficiente de recursos.
O aparente benefício trazido pelo preço artificialmente baixo ao consumidor direto do produto é ilusório. Esse é o ponto que eventualmente é esquecido: a princípio parece ser do interesse público permitir a importação de produtos a preços de dumping, cujo efeito benéfico sobre o consumidor é evidente, imediato. Entretanto, preços artificialmente desalinhados (para cima ou para baixo) sinalizam erradamente, impedem investimentos onde seriam necessários, deslocam recursos para onde são desnecessários, reduzem a eficiência econômica e o bem-estar econômico e social. Em síntese, não haveria benefício, pois esse “suposto” benefício no curto prazo seria “compensado”, a médio e longo prazo, por perdas de muito maior magnitude e que não se limitariam ao setor objeto.
No Brasil, a decisão quanto à aplicação de medidas antidumping está a cargo da Camex e, em instância recursal, para o exame de sua aplicação, a responsabilidade cabe ao Grupo Técnico de Avaliação de Interesse Público – GTIP, que julga os custos e benefícios de tal aplicação. Uma empresa do resto do mundo que exporta para o Brasil, ao requerer a suspensão na aplicação de medidas antidumping deveria ser obrigada a provar não apenas os efeitos positivos da manutenção de preços de dumping momentaneamente baixos como suficiente para caracterizar uma situação de “interesse público” – efeito de aumento de renda do consumidor no curto prazo. Ela precisaria provar que não haverá esterilização de capital, perda de emprego, redução de investimento no setor que estará sendo atacado por produtos com preços desleais.
Há ainda, além do risco do investidor doméstico, uma questão que deve ser considerada na aplicação das cláusulas de interesse público em casos de dumping e dano comprovados: o efeito sobre o fluxo de investimento externo direto. Diante da possibilidade do governo aceitar um ataque de produtos importados a preços desleais como regra (e não como exceção), o investimento externo direto teria que lidar com mais uma incerteza, aumentando o risco do país. Desse modo, a leniência com importações desleais atrairia exportadores desleais e afastaria o investimento direto.
Diante do que foi dito anteriormente, defender a não aplicação de medidas antidumping em função do interesse público, devido a um possível aumento de preços no mercado doméstico (mas que nem sempre ocorre) é um argumento frágil e insuficiente e pode ser extremamente danoso ao investimento e à produção domésticos e ao emprego dos brasileiros.
Fonte: Valor Econômico, 28/10/2013.
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