O Covid-19 chegou ao Brasil com cerca de quatro semanas de defasagem em relação à Europa e aos EUA, mas com a mesma força. Nas duas últimas semanas, o número de casos diagnosticados aumentou à taxa de 34,6% ao dia, acumulando 1924 casos até a segunda-feira, sem dar sinais de arrefecimento. O quadro é preocupante: se não conseguirmos desacelerar o processo, ainda em abril teremos mais de 1 milhão de brasileiros contaminados, com o sistema de saúde abarrotado de pacientes graves e as mortes sendo contadas aos milhares.
A quarentena se mostrou até aqui a forma mais eficaz de impedir a disseminação do vírus, mas ela tem consequências econômicas pesadas, que se somam às que resultam da decisão voluntária de evitar certos locais, como restaurantes, cinemas e shopping centers. Não foi à toa que os governos mundo afora hesitaram em instituí-la, o que em geral acabou resultando em avanço maior da epidemia do que de outra forma teria sido necessário.
O tamanho do choque sobre a economia será não trivial: em vez da expansão que se esperava até um mês atrás, agora se espera forte contração do PIB no segundo trimestre deste ano. O governo estima que o PIB de 2020 ficará no mesmo patamar de 2019, mas hoje em dia um cenário de queda me parece mais plausível. Isso vai ajudar a derrubar ainda mais a inflação e a reduzir o deficit externo do país, mas, em compensação, as receitas tributárias vão cair muito e o desemprego subirá bastante.
O perfil da recessão esperada para este ano será diferente do de outras que tivemos nas últimas décadas: ela afetará bem mais o setor de serviços, como confirmam dados divulgados esta semana para Austrália, Japão e Europa. A contração de serviços derrubará o emprego, em especial de trabalhadores menos qualificados. O drama social que vai daí advir poderá ser bem grave.
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Esse quadro, na minha visão, acaba com a pequena chance que ainda havia para a aprovação de reformas antes do recesso parlamentar de julho e das eleições municipais de outubro. Os desafios colocados para a política econômica agora são outros e não triviais.
A curto prazo, o governo precisa criar uma rede de segurança para proteger as empresas e famílias que forem mais afetadas, ficando sem receitas e rendimentos, e que não tenham como se sustentar com suas reservas. É o caso, em especial, das micro, pequenas e médias empresas e dos trabalhadores de baixa renda, em particular os informais, que não contam com a proteção de programas como o seguro desemprego. A própria viabilidade da quarentena vai depender, na prática, da criação dessa rede de proteção social, pois sem ela muita gente pode decidir simplesmente sair às ruas do mesmo jeito para garantir o sustento de algum jeito.
Ainda a curto prazo, o governo precisa garantir o bom funcionamento dos mercados, em especial do financeiro, já que a tendência natural neste momento é todos protegerem seu caixa. Isso em geral significa problemas para bancos e fundos de investimento e pode levar a que certos mercados não funcionem bem, como o de dólar e de títulos de dívida corporativa, por exemplo.
Por fim, o governo precisa adotar medidas de estímulo para compensar o efeito depressivo das quarentenas, voluntárias e obrigatórias. Nesse caso, há uma discussão relevante do momento certo de dar os estímulos. Fazer isso em momento de grande retração de consumidores e empresas pode dar pouco resultado.
Por seu lado, a pressão por pacotes maiores, em especial de gastos públicos, vai aumentar conforme a crise na saúde pública avança. É o que se viu nos EUA e na Alemanha, por exemplo: o volume de gastos previstos foi se multiplicando ao longo da semana, conforme os políticos reagiam à pressão dos eleitores.
O governo também terá um grande desafio para decidir quando e como começar a reverter a quarentena e normalizar o funcionamento das empresas. O governo federal terá incentivo para fazer isso cedo, pois o desempenho da economia influencia mais na popularidade presidencial do que a de outros políticos. Os governadores e prefeitos, por seu lado, estarão mais preocupados com a pressão que a epidemia coloca sobre os serviços de saúde.
Por fim, penso que o mundo e o Brasil não vão voltar simplesmente a ser como eram, como se uma onda tivesse passado por cima e depois partido. Haverá um esgarçamento do tecido social e novos atores devem ganhar destaque, com novas propostas de como devemos avançar nos anos à frente.
Fonte: “Correio Braziliense”, 25/3/2020