*com Luiz Otavio P. Villela
O novo Código de Processo Civil (CPC), como tem sido comentado, consolida instrumentos a favor de credores contra fraudes e abusos de devedores. Porém, uma exitosa desconsideração da personalidade jurídica ou aplicação da doutrina de sucessão empresarial podem ser meras vitórias de Pirro se o devedor tiver ocultado o seu patrimônio através de estruturas societárias complexas, em offshores sediadas em paraísos fiscais.
Há normas jurídicas em vários países para auxiliar na produção antecipada de provas e garantir a execução de um processo estrangeiro por meio de medidas constritivas, como o 28 U.S. Code § 1782 dos EUA, ou a ordem “Norwich Pharmacal” do sistema inglês, ou o mandado Anton Piller, destinado a efetivar busca e apreensão de documentos e averiguações in loco na produção antecipada de provas quando há receio de que uma parte possa destruí-las. Outras medidas pacificadas na jurisprudência de diversos tribunais anglo-saxões incluem a chamada “liminar Mareva”, para determinar a indisponibilidade de bens de um devedor baseada em uma ação judicial de outro país, e o bloqueio global de bens do devedor, do caso Hotel 71.
Porém, questões de competência territorial dificultam a efetividade de tais medidas, permitindo a invocação de defesas, além de haver obstáculos procedimentais como a exigência de cartas rogatórias ou a homologação por tribunais superiores (Exequatur) de decisão transitada em julgado.
Para contornar tais obstáculos, uma estratégia interessante para o credor é instituir um procedimento de insolvência em face do devedor para viabilizar a adoção das regras da Lei Modelo em matérias de Insolvência Transnacional da Uncitral, e assim permitir a recuperação de ativos do fraudador. De qualquer forma, a decretação de segredo de Justiça para manutenção do sigilo e o efeito surpresa são fundamentais para o êxito da medida.
A Lei Modelo, ao prever o reconhecimento de um processo de falência em outra jurisdição, permite a condução em um juízo estrangeiro de diligências processuais, como depoimentos, perícias, medidas constritivas, além de citações e intimações.
As legislações dos 37 países que incorporaram a Lei Modelo permitem o reconhecimento da competência acessória para tramitar medidas destinadas à cobrança de devedores insolventes, falidos ou em recuperação judicial em seus próprios países. No caso do Chapter 15 dos EUA, quem pode pleitear o reconhecimento do concurso de credores (falência ou liquidação extrajudicial) na jurisdição estrangeira é o representante legal no Brasil da massa. Para instaurar tal procedimento, é preciso peticionar ao juízo com jurisdição sobre o devedor nos Estados Unidos, com cópias do processo principal e do ato de nomeação do representante.
Embora o Brasil ainda não tenha incorporado a Lei Modelo, a maioria dos países aderentes não condiciona a sua aplicação à existência de reciprocidade, permitindo assim a extensão dos processos concursais brasileiros por tribunais estrangeiros.
Convém notar que tais procedimentos já foram testados com sucesso em falências brasileiras, mediante a instauração de procedimentos sigilosos ex parte no Brasil, para obter medidas constritivas contra ex-administradores e sócios das falidas com bens escondidos no exterior.
Medidas transnacionais requerem ações investigativas e jurídicas em múltiplas jurisdições por profissionais qualificados e experientes, a um alto custo e risco. Porém, o desenvolvimento dos mercados globais deu origem a instrumentos de financiamento de litígios que permitem que mesmo credores sem recursos (tais como massas falidas) possam beneficiar-se de tais medidas. Com efeito, a experiência profissional com fundos de investimento voltados a tais operações e renomados escritórios de advocacia internacionais especializados na recuperação de ativos mostra-nos que créditos tidos como irrecuperáveis podem ser cobrados no exterior de fraudadores que, em passado recente, encontravam na inércia dos credores a garantia de sua impunidade.
Institutos eficientes no recebimento de créditos estimulam investimentos, assim como a reversão eficaz de fraudes funciona como desestímulo a sua prática. Cada crédito recebido estimula a concessão de novos créditos; cada fraude desfeita representa direitos respeitados e, a médio e longo prazo, a redução de sua prática – as delações premiadas, hoje tão em voga, mostram o que a teoria econômica há muito tempo afirma, que mesmo os criminosos são racionais e agem calculadamente buscando seu benefício. Ou seja: quanto maior a probabilidade por eles percebida de responderem por suas fraudes, menor a probabilidade de a cometerem.
Num momento tão caro ao país, de combate à corrupção e recuperação econômica, as alternativas modernas de recebimento de créditos disponíveis ao redor do globo são extremamente bem-vindas para recuperar não só o patrimônio das vítimas de fraudes, como também contribuir para a construção de um Brasil mais confiável e próspero.
Fonte: “Valor econômico”, 2 de setembro de 2016.
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