Medo. Este pode ser o sentimento que vem estimulando ajustes na orientação da política econômica. O medo do rebaixamento da nota de crédito do país. O medo do colapso econômico. O medo de revoltas populares. O medo de crise política. O medo de crise institucional. Nesta ordem.
Nos últimos anos, o governo brasileiro buscou implantar uma agenda econômica mais intervencionista, com controle de tarifas públicas e uso intenso de políticas de estímulo e proteção a alguns setores e empresas, e optou por maior manipulação da política macroeconômica, principalmente via política fiscal e de crédito dos bancos públicos.
O problema é que não só a estratégia não funcionou como pode ter sido contraprodutiva. O hiato entre o crescimento no mundo e no Brasil abriu nos últimos anos. Esse é o principal sinal de que a política econômica falhou.
[su_quote]O governo sistematicamente ignorou os sinais vitais do paciente. No caso, inflação teimosa, déficits crescentes em transações correntes e estagnação da indústria[/su_quote]
O governo sistematicamente ignorou os sinais vitais do paciente. No caso, inflação teimosa, déficits crescentes em transações correntes e estagnação da indústria. Desculpas para esse quadro foram sendo dadas ao invés de se questionar a eficácia da política econômica.
Esse quadro se assemelha ao da escassez de energia e água. Nega-se a dificuldade, postergam-se decisões e os problemas se avolumam.
Não é pecado fazer políticas de demanda, como foi o caso da expansão fiscal, creditícia e monetária. O problema foi exagerar na dose quando já estava bastante claro que as condições da demanda eram mais que adequadas, que o mercado de trabalho já estava excessivamente aquecido e a inflação emitia sinais preocupantes. Remédio em excesso é veneno.
Não é proibido fazer políticas setoriais. Mas é necessário avaliar o custo-benefício das políticas, e estabelecer metas a serem atingidas. Não atingidos os objetivos, a política precisa ser reavaliada ou suspensa. Boa política pública é a que tem início, meio e fim. Isso vale para estímulos à atividade produtiva, bem como para políticas sociais.
Não é inaceitável o experimentalismo na política econômica. Mas isso pressupõe cautela e cuidado na dosagem, avaliando o efeito das políticas.
O resultado foi que a economia parou e os indicadores sociais estagnaram. Insistir no mesmo modelo pode significar retrocessos nas conquistas sociais da década passada, marcada por avanço sensível dos indicadores de distribuição de renda e redução de pobreza.
É improvável que se consiga rapidamente corrigir tantos excessos dos últimos anos rapidamente. A boa notícia é que algum esforço foi iniciado.
É verdade que o ideal seria que as mudanças de rumo fossem fruto de convicções, e não do medo. Um governo que avalia suas ações, reconhece equívocos e corrige o rumo da política econômica. Seria uma prova de amadurecimento do país.
Mas pelo menos há algum pragmatismo, fruto do medo. No fim do dia, é isso que nos distingue da Argentina. Lá não há medo, mas soberba.
Que o Brasil consiga acertar o passo. Que haja diálogo e transparência. Sem isso não haverá legitimidade para a agenda de ajustes. Assim haverá alguma chance de os políticos ajudarem na empreitada e a sociedade compreender a necessidade dos ajustes.
Fonte: Broadcast, 4/2/2015
Aprecio muito o trabalho de vcs e da pesquisadora zeila assistir novas palestras devcs.