Angela Merkel não vacila na política econômica. E a presidente Dilma Rousseff? Vai na bola com determinação ou hesita?
Já disseram que, se você fizer qualquer coisa com convicção, acaba dando certo. Vale para tenistas, por exemplo. O jogador que vacila no momento do golpe e, numa fração de segundo, imagina que aquela pode não ser a opção correta, ou erra ou passa uma bola fraca. Perde de qualquer jeito.
Mal comparando, Angela Merkel não vacila na política econômica que impõe à Europa. Governos endividados precisam fazer o ajuste e ponto final. Claro, ainda estamos longe de saber se isso vai dar certo, mas está andando. Até François Hollande, que se elegeu presidente atacando a receita Merkel, anunciou corte de gastos públicos e aumento de impostos.
Mas tentou amenizar a coisa. Disse que o peso do programa cairia sobre aqueles que ganham mais de um milhão de euros/ano e cuja alíquota do imposto de renda sobe de uns 50% para 75%. E, para amenizar a coisa pelo outro lado, explicou que isso afetaria no máximo três mil pessoas. E desculpou-se garantindo que os sacrifícios serão temporários.
Não tem a convicção, claro, está agindo por força das circunstâncias. Por isso, as dúvidas sobre a eficácia. E a presidente Dilma Rousseff? Vai na bola com determinação ou hesita?
Depende. No caso das privatizações, claramente vacila. Fez a concessão de três aeroportos, a coisa não saiu direito — as grandes operadoras internacionais ficaram de fora — e agora Dilma não sabe bem como lidar com os demais que também precisam de pesados investimentos.
É pura falta de convicção. Está claro que o setor público não dá conta da tarefa, mas privatizar assim direto, à tucana, também pega mal para um governo petista, certo? Sai uma privatização meia-boca, que junta os defeitos do setor público e do privado que não quer correr riscos.
O governo também vacila na inflação. A presidente, o ministro Mantega e o presidente do BC, Alexandre Tombini, garantem que está em pleno vigor o regime de metas de inflação, sendo de 4,5% o alvo para este ano e para o próximo. Não vai rolar. Para este ano, a inflação deve ir a 5,5%, se não for mais, e mais um pouco em 2013. E daí? Até 6,5%, tudo bem, dizem as autoridades.
Não é bem assim. A meta é de 4,5%, tolerando-se um desvio, em circunstâncias extraordinárias, de até 2 pontos. Mas estamos nos encaminhando para o terceiro ano com inflação média perto dos 6%. Um extraordinário muito longo, não é mesmo?
Falta de convicção, de novo. Parece que meta de inflação é tão tucana quanto a privatização. A corrente desenvolvimentista, onde se assentam as convicções históricas da presidente, acha que uma inflação mais alta pode até ser um instrumento para se turbinar o crescimento.
Dirá o leitor: e não é assim mesmo? Qual a diferença entre uma inflação de 4,5% e outra de 6%?
Perguntem aos milhões de trabalhadores que têm batalhado por reajustes salariais. Quem ganha hoje 20% a mais do que recebia no início de 2010 está rigorosamente na mesma. Os funcionários públicos que aceitaram o reajuste de 15% em três anos estão perdendo dinheiro. A inflação acumulada no período será maior do que isso.
Tudo bem se houver crescimento, argumenta o pessoal do governo. Mas por que não anunciam logo que abandonaram o regime de metas e isso de BC independente? Porque não pega bem.
O mundo respeita o sistema de metas, simplesmente porque tem funcionado por toda parte.
Mesmo sem o governo admitir que deixou o regime, mas praticando meia-boca, os agentes econômicos (categoria que vai do investidor ao assalariado e consumidor de supermercado) já trabalham com inflação acima da meta por um longo período. Ou seja, buscam preços e salários nessa perspectiva, o que realimenta a subida de preços, ou impede sua queda em momentos de paralisia econômica.
Por outro lado, parece que o governo não vacila na sua disposição de intervir na economia e orientar/conduzir o setor privado.
Acredita que tudo, até a falta de medalhas olímpicas, pode ser resolvido com um programa e comando de Brasília.
O país cai num círculo vicioso: como o governo não tem dinheiro e nem capacidade para fazer tudo, precisa abrir espaço para o privado. Mas este não vai com convicção quando é amarrado pelo ambiente de negócios supercontrolado pelo próprio governo.
Crescimento baixo e inflação alta, não é por acaso.
Fonte: O Globo, 20/09/2012
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