A lei de meia-entrada para estudantes é um jeito ruim de levar cultura e entretenimento a quem precisa. Primeiro por ser uma política mal focalizada. Ou seja: na tentativa de dar um auxílio para quem precisa, ela acaba subsidiando muita gente que não precisa. Pois ao beneficiar apenas estudantes, e deixar de fora jovens que não sejam estudantes, a lei faz exatamente isso.
Um estudante de medicina da USP paga meia-entrada no cinema. Um auxiliar de pedreiro com a mesma idade, não. Parece justo? Lembremos que apenas cerca de 20% dos jovens fazem ensino superior. E a renda média deles é mais alta do que a de quem não faz.
Ou seja, pelo próprio desenho da lei ela já falha em ajudar quem realmente precisa, subsidiando o cineminha de sábado de gente que pode pagar. A lei de meia-entrada para jovens de baixa renda, que também existe, atende a quem realmente precisa de ajuda. Sendo assim, para que continuar com a meia estudantil?
A meia-entrada também distorce os preços. Sabendo que parte dos ingressos será cobrado como meia-entrada (no caso dos cinemas, frequentemente mais do que apenas os 40% exigidos por lei), a empresa coloca o preço mais alto. Dessa maneira, partilha os custos da meia-entrada com os espectadores que não têm acesso ao benefício e que, desse modo, pagarão mais. Isso afugenta os adultos das salas.
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Em entrevista para o Valor em janeiro, Valmir Fernandes, presidente da Cinemark, sintetizou: “No Brasil, a percepção do preço do ingresso é a pior do mundo. Isso porque artificialmente mostramos um valor acima, por causa da lei de meia-entrada”.
Me dói no coração desembolsar R$ 40, R$ 60 ou até R$ 80 para pegar um filminho… Mas quem sou eu para reclamar? Como pai de dois filhos, a lei acaba me beneficiando também.
Por fim, há uma enorme idealização nos efeitos da lei. Imagina-se que jovens tendo acesso à cultura se tornarão mais criativos, valorizarão as artes…
Na prática, estamos subsidiando estudantes para assistir “Vingadores” ou show de música pop. Qual o grande ganho social de um jovem de classe média alta que desembolsa R$ 250 na meia-entrada para o show da Taylor Swift?
Aos poucos, as empresas vêm encontrando uma solução: expandir a meia-entrada, de modo que ela se torne, na prática, o preço normal. Ser cliente de um banco, de uma operadora de celular; tudo isso dá direito à meia-entrada em diversos cinemas.
Em shows, dá-se meia-entrada a quem traz 1 quilo de alimento não perecível. Há cinemas que já oferecem meia-entrada para todos, ao menos em certos horários. Assim, a empresa coloca o preço “normal” do ingresso (que ninguém pagará de fato) duas vezes mais alto que o preço a que ela efetivamente planeja vender e o preço da “meia” vira o preço inteiro.
Sei que acabar com a lei da meia-entrada seria impopular e traria custo político. Afinal, que importam argumentos, a fria relação de custo-benefício e o bom uso dos recursos públicos frente a um vago desejo de ser generoso no coração dos eleitores? Sendo assim, a saída política para esse impasse pode estar na direção contrária. Não dá para eliminar a meia-entrada dos estudantes?
Então sejamos ainda mais caridosos e vamos estender por lei a meia-entrada a todos os cidadãos, não importa idade ou condição. Para completar, vamos dar aos jovens de baixa renda o direito inédito de ingressos a 25% do valor. Um ato tão generoso e de tamanha ousadia política há de ser lembrado e celebrado por décadas a fio!
Fonte: “Folha de São Paulo”, 4/2/2020