Só os muito otimistas podem ver alguma boa notícia nos últimos números da inflação, ou até um sinal verde para um primeiro corte de juros. Além de entravar o crescimento econômico, financiamento muito caro dificulta a arrumação das contas de governo e atrapalha, de modo especial, o controle da dívida pública. Mas um corte precipitado pode ser desastroso, como se viu entre os meses finais de 2011 e o fim de abril de 2013, quando a política frouxa, ao gosto da presidente Dilma Rousseff, abriu enorme espaço para o avanço da inflação.
Para iniciar o corte, facilitar a expansão do crédito e começar a diminuir o custo do capital, o Comitê de Política Monetária (Copom) apontou três condições indispensáveis. Nenhuma é visível neste momento, apesar do recuo, no varejo, do custo da alimentação. Se quiserem afrouxar a política na próxima reunião, os membros do comitê, formado por diretores do Banco Central (BC), terão de apresentar uma explicação digna de citação em manuais – exceto, é claro, se fatos muito surpreendentes ocorrerem até lá. O próximo encontro para deliberação está marcado para os dias 18 e 19 de outubro.
A inflação mensal caiu de 0,52% para 0,44% de julho para agosto, segundo a última apuração do Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA). Esse é o número usado como referência para políticas oficiais. Mas ninguém deve levar muito a sério esse recuo de curtíssimo prazo. A alta de preços no mês passado foi a maior em um mês de agosto desde 2007, quando chegou a 0,47%. A variação acumulada em 2016 bateu em 5,42%. O resultado em 12 meses subiu de 8,74% para 8,97%. O número final deste ano poderá confirmar as previsões do mercado e do próprio governo, ficando pouco acima de 7%. Mas os sinais de arrefecimento e de convergência para a meta oficial de 4,5% em 2017 ainda são frágeis.
Os otimistas poderão entusiasmar-se também com a alta menor dos preços de alimentos e bebidas: a taxa passou de 1,32% em julho para 0,30% em agosto. Um firme recuo desse componente é uma das condições indicadas pelos membros do Copom para o início do corte de juros. Mas a acomodação continua incerta. Depois de uma queda de 2,01% em julho, os preços de produtos agropecuários subiram em agosto 0,88% no atacado. Será preciso algum tempo para saber se esses preços – com alta de 15,58% no ano e de 27,74% em 12 meses – poderão evoluir de modo mais favorável ao consumidor.
Mas a inflação nas feiras e nos supermercados é só uma parte do problema. Mais que isso: com o aumento menor do custo da alimentação, a gravidade do quadro geral fica mais visível. Cinco dos nove grandes componentes do IPCA subiram mais que no mês anterior.
Esse foi o caso de três importantes itens formados principalmente de serviços – saúde e cuidados pessoais, despesas pessoais e educação, com variações de 0,80%, 0,96% e 0,99%. Esse é um forte sinal do peso da indexação e – apesar da crise – das condições de demanda ainda favoráveis à elevação dos preços finais. Os juros altos têm contido em parte a propagação dos aumentos de custos, mas ainda de forma insuficiente para derrubar a inflação até níveis mais toleráveis.
O recuo das tarifas de energia elétrica e de outros preços monitorados também contribuiu para a melhora do índice geral, assim como o bom comportamento do câmbio. Qualquer alteração nesses itens poderá complicar o quadro nos próximos meses. O valor do dólar é um item especialmente delicado. O câmbio pode ser afetado tanto por fatores internos, como o maior ou menor apoio político aos ajustes e reformas, quanto externos, como as políticas monetárias das principais potências.
Uma alta dos juros americanos poderá mexer nos fluxos de capitais e no valor do dólar. Ninguém pode dizer com segurança a data do novo aperto monetário nos Estados Unidos, mas cada notícia positiva sobre a economia americana torna mais próximo esse evento. O efeito em países com baixa inflação deverá ser muito limitado. O caso do Brasil é outro.
Não há como apostar, ainda por algum tempo, numa “desinflação em velocidade adequada”. Essa é outra condição indicada na ata da última reunião do Copom como necessária a um corte de juros. Se existirem, continuam para lá do horizonte quaisquer sinais dessa mudança na evolução dos preços. Acreditar na existência desses indícios é por enquanto uma demonstração de esperança ou de crença no poder do pensamento positivo.
A terceira condição é a menor incerteza quanto à aprovação e implementação dos ajustes. Isso inclui “a composição das medidas de ajuste fiscal” e seus impactos sobre a inflação. Esse é o item mais complicado, neste momento. O governo mandou ao Congresso uma proposta de orçamento para 2017 com déficit primário (sem juros) de R$ 139 bilhões.
Esse resultado dependerá de um crescimento econômico de 1,6%, de uma receita importante de concessões na área de infraestrutura e de um forte controle da despesa. Nada garante, por enquanto, as condições políticas necessárias à produção desse resultado. A proposta de criação de um teto para a despesa continua em tramitação. Além disso, políticos da base defendem o adiamento – para depois das eleições – do debate sobre a reforma da Previdência. O presidente Michel Temer tem pela frente um difícil e incontornável teste político. Mesmo com algum sucesso, haverá segurança muito maior, até o fim do ano, quanto às ações de ajuste?
Economistas de governos, de entidades multilaterais e do setor privado têm defendido novas políticas de crescimento, com maior ênfase em facilidades fiscais e menor dependência de incentivos monetários. Os bancos centrais, argumentam, já fizeram o possível.
Os brasileiros estão longe desse debate, coisa de gringo. Aqui, o BC deve cuidar da inflação ainda alta, e um novo afrouxamento fiscal equivaleria a explodir o Tesouro. O Brasil continua fora do jogo de recuperação da economia global.
Fonte: “O Estado de S. Paulo”.
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