*com Renato Fragelli
“Quem passa trinta dias fora do Brasil, quando retorna tem a impressão de que tudo mudou por aqui; mas se tivesse passado trinta anos no exterior, teria constatado que nada mudou”. A explicação para esse chiste e paradoxo encontra-se no gráfico abaixo, que descreve a evolução da renda per capita (RPC) –, medida pelo critério de paridade do poder de compra – da Coreia do Sul, Brasil e Chile, em porcentagem da renda per capita norte americana. A comparação com os EUA é motivada pelo fato de sua economia ser a mais madura do planeta, onde o ritmo de crescimento reflete a velocidade de adoção de novas tecnologias que surgem continuamente.
Em 1954, a Coreia era o país mais pobre dos três, com 11% da RPC americana; o Chile o mais rico, com 22%; e o Brasil o intermediário, com 14%. Em 1961, após os anos dourados de acelerado crescimento da era JK, a RPC brasileira atingiu 18% da americana. Na ocasião, entretanto, apenas 35% dos jovens entre 5 e 19 anos encontravam-se matriculados no ensino fundamental e médio. O crescimento econômico foi interrompido pela elevada inflação provocada pelas políticas fortemente expansionistas de JK. Durante o governo Castello Branco, adotaram-se reformas estruturais que, ao estimularem a produtividade geral da economia e eliminarem o déficit público, criariam as condições para a retomada do crescimento no governo seguinte. Ao longo do período de implantação das reformas, a RPC brasileira manteve-se em torno de 17% da americana.
Após 1968 o país voltou a crescer mais rápido que os EUA, elevando sua RPC a 24% da americana em 1974. A industrialização acelerada, ao ampliar a demanda por mão de obra qualificada, num país fechado em que a educação era privilégio de poucos, acirrou a disparidade de remuneração entre trabalhadores com baixa instrução e os que tinham tido acesso à educação de qualidade.
Em resposta ao primeiro choque do petróleo, parte das reformas de Castello foram desfeitas, com fechamento da economia, ampliação do Estado, e tolerância em relação a uma inflação de 30% ao ano. No novo ambiente econômico, a RPC continuou a avançar acima da observada nos EUA por meia década, embora mais lentamente que no período anterior.
O maior valor da RPC brasileira em relação à americana foi de 28%, atingido em 1980. Mas devido às distorções introduzidas no final dos anos setenta e início dos oitenta, ao longo da década perdida de 1980 os brasileiros viram sua renda despencar. A crise da dívida externa e a desorganização inflacionária mantiveram a RPC brasileira estagnada, enquanto a norte-americana continuava a crescer. Em 1994, ano do lançamento do Plano Real, a RPC brasileira havia caído a apenas 19% da americana.
Assim como ocorrera trinta anos antes, durante o governo FHC implantaram-se reformas estruturais que criariam as condições para a retomada do crescimento no governo seguinte. Ao longo do difícil período de consolidação da estabilização, a elevação da RPC brasileira ficou abaixo da observada nos EUA. Em 2003, primeiro ano da gestão Lula, a RPC brasileira havia caído a somente 17% da americana, mesmo nível de 1961.
A partir de 2004, colhendo os frutos das reformas econômicas implantadas por FHC, e ajudado por uma conjuntura internacional favorável ao país, o Brasil voltou a crescer mais rápido que os EUA. Em seu primeiro mandato, Lula manteve – e, em alguns casos, expandiu – as políticas de FHC. Mas, a partir de 2008, ampliou distorções que desaceleram a evolução da produtividade, como intervenção nas agências reguladoras, barreiras comerciais, e políticas de campeãs nacionais. Em 2010, a RPC brasileira alcançou 20% da americana, mesmo valor de 1971.
A partir de 2011, a Nova Matriz Econômica, adotada sob a liderança de Dilma Rousseff, ao destruir o equilíbrio orçamentário do Estado, desorganizou a economia brasileira. É provável que a RPC brasileira de 2016 já tenha caído a apenas 17% da norte americana, fração observada em 1961. Enquanto isso, a RPC coreana aproxima-se de 65% da americana e a chilena de 31%.
O modelo coreano de crescimento, em contraste com o brasileiro, baseou-se em elevada poupança interna para assegurar financiamento não inflacionário dos investimentos, economia aberta para estimular a absorção tecnológica, e universalização da educação de qualidade para permitir a absorção de modernas técnicas de produção. O resultado foi crescimento contínuo com distribuição de renda. A estagnação brasileira descrita acima não significa que o país tenha permanecido parado em termos absolutos, mas sim que pouco evoluiu quando comparado à principal economia do planeta. Perderam-se oportunidades de crescimento que outros países souberam aproveitar.
A longa experiência brasileira do pós-guerra, brevemente resumida acima, mostra que os períodos de crescimento ocorreram após a consolidação de reformas econômicas que elevaram a produtividade geral da economia. As tentativas de buscar atalhos fáceis geraram apenas surtos de crescimento, seguidos de crises como a que assola o país neste momento.
Fonte:”Valor econômico”, 15 de junho de 2016.
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