Da mesma forma que mudanças estruturais positivas, no passado, contribuíram para melhorar a solvência do setor público brasileiro, a ausência de novas medidas e o excessivo e irresponsável expansionismo fiscal poderiam produzir o efeito inverso.
Exercícios simples sobre a solvência fiscal do Brasil evidenciam que a dívida pública brasileira tornou-se mais sustentável nos últimos 12 anos. Desde 1999, as variáveis que impactam a dinâmica da dívida melhoraram significativamente: os juros reais caíram, o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) ampliou-se, os resultados primários tornaram-se mais robustos e o estoque da dívida experimentou reduções, especialmente por conta das privatizações. Sabemos, contudo, que esta não é uma conquista irreversível.
Eventuais mudanças nos parâmetros que condicionam esta dinâmica poderiam trazer de volta maus resultados, especialmente se considerarmos que não há segurança de que os níveis mais baixos de juros são sustentáveis.
A figura 1 ilustra os resultados de um exercício para analisar a solvência fiscal, segundo a equação “Db = d + (r – y)*b”, conforme proposta por Carlin & Soskice (2006). A equação relaciona:
1. Db: variação da dívida (em % do PIB);
2. d: resultado primário (em % do PIB, sendo o superávit representado por sinal negativo e o déficit representado por sinal positivo na equação);
3. r: taxa real de juros deflacionada pela expectativa de inflação;
4. y: taxa de crescimento real do PIB;
5. b: nível de endividamento (em % do PIB);
Conforme mostra a figura a seguir, para níveis de juros, crescimento do PIB e resultado primário de três períodos selecionados, há diferentes trajetórias possíveis para a variação da dívida. A inclinação da reta (para qualquer um dos anos) evidencia a diferença entre os juros e o crescimento do PIB (quanto maiores os juros, por exemplo, mais inclinada a curva e quanto maior o crescimento, menos inclinada a curva).
O superávit primário situa-se no ponto em que as retas cortam o eixo das ordenadas, de modo que aumentos no superávit primário deslocam toda a curva para baixo (como ocorreu no período selecionado, mas sem contar com o efeito de mudança de inclinação, que se deveu às alterações nos juros e no crescimento nos últimos dez anos).
O exercício revela, portanto, que, em 2002, havia um nível “crítico” de dívida de cerca de 30% do PIB, a partir do qual o “Db” começava a ser positivo, isto é, a dívida tornava-se crescente. Este nível (que permite uma dívida estável) era bem maior em 2011, em torno de 95% do PIB e, considerando as projeções da Tendências para os parâmetros descritos, deve atingir 110% do PIB em 2020. Tal movimento explicita a melhora de solvência ocorrida no período e permite estimar que, com um primário de cerca de 2,3% do PIB e uma taxa real de juros em torno de 5,1%, na média de 2012 a 2020, bem como com um crescimento econômico médio de 3,6%, seria possível manter essa tendência.
Esta constatação não é novidade, mas pode levar a conclusões novas. Por exemplo, a garantia do controle da solvência da dívida no médio prazo abre espaço para a adoção de uma agenda fiscal focada em outras prioridades, como a qualidade do gasto público. Isso pode ocorrer se as autoridades fiscais compreenderem os efeitos positivos da adoção de uma agenda centrada, por exemplo, na fixação de limites para o crescimento das despesas com pessoal, abrindo espaço para o aumento de investimentos públicos e para a redução sustentável da taxa real de juros.
É difícil saber quando esta mudança de prioridades na agenda fiscal acontecerá, mas esse momento pode estar próximo, à medida que ficarem óbvios para o governo os ganhos da solvência e os efeitos positivos para o crescimento econômico, que adviriam do aumento da austeridade.
A conquista de condições adequadas de solvência não é, todavia, uma condição imutável. A condução de políticas equivocadas no campo macroeconômico, visando a promover o crescimento a qualquer custo e em prejuízo da estabilidade de preços poderia colocar em risco este avanço estrutural. Se repetirmos o exercício para 2012, mas agora considerando as projeções do cenário pessimista da Tendências para juros, inflação, crescimento e superávit primário, chegaríamos a um resultado preocupante.
Políticas fiscais irresponsáveis e excesso de objetivos no campo macroeconômico poderiam levar à necessidade de juros reais mais elevados por um período maior, o que reduziria o potencial de crescimento econômico e dificultaria a obtenção de superávits primários. Seria o oposto do que se observou nos últimos anos, de modo que o nível crítico de dívida cairia de 95% para 67%, na curva traçada para 2020. Isto é, o nível a partir do qual a dívida passaria a crescer cairia nestas proporções, reduzindo as condições de solvência fiscal.
Em resumo, da mesma forma que mudanças estruturais positivas realizadas no passado contribuíram para melhorar a solvência do setor público brasileiro, a ausência de novas medidas e o excessivo e irresponsável expansionismo fiscal podem produzir o efeito inverso.
Fonte: Valor Econômico, 19/04/2012
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