Tive, nesta quarta (18), uma oportunidade muito rica, a de relembrar minha vida como estudante universitária na Escola de Administração de Empresas de São Paulo, da Fundação Getúlio Vargas, numa entrevista concedida ao CPDOC, que está recompondo a memória institucional da escola. Quase sem preparação emocional, provocada por um entrevistador que tentava extrair de mim as lembranças mais bonitas e dolorosas, vi-me duas vezes tentando conter um choro que insistia em sair junto com as palavras.
Sim, devo muito à Eaesp. Entrei na escola por acaso. Desejava, na verdade, estudar psicologia ou pedagogia para poder trabalhar com educação. No final do ensino médio, seguindo então o curso de humanidades, meu irmão mais velho faleceu num desastre de automóvel, e meu pai me pediu que estudasse administração, para seguir o caminho projetado para o Pedro: sucedê-lo na empresa.
Fachada da Eaesp, da FGV, em São Paulo – Divulgação
Não me parecia fazer nenhum sentido, mas, ao descobrir que a Fundação Getúlio Vargas oferecia a alternativa de administração pública, resolvi aceitar o pedido de meu pai, sem esclarecer a ele o curso que havia escolhido na escola. Talvez fosse este, afinal, um percurso que me permitiria também me habilitar a transformar o país por meio da educação, embora não entendesse, à época, como.
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Gostei imensamente das aulas, muitas delas oferecidas por professores afastados da USP pela ditadura, como o Vilmar Farias, o Celso Antonio Bandeira de Mello, a Vanya Santanna ou o Mauricio Tragtenberg, e ainda mais da solidez dos ensinamentos do Fernando Prestes Motta, que me introduziu a Max Weber. Dois mestres se destacaram na minha formação: o Luiz Carlos Bresser-Pereira, que me apresentou sua visão do subdesenvolvimento modernizante do país e me acompanhou ao longo da minha vida profissional, e o Plínio de Arruda Sampaio, que me fez refletir sobre a urgência de implementar políticas sociais de qualidade.
Mas a lembrança que mais me comoveu, ao rememorar tantos aprendizados e o tempo investido em dar aulas, inicialmente num curso de alfabetização que o centro acadêmico mantinha na escola e, mais tarde, para os alunos da graduação, foi a de meus colegas de curso.
Vivíamos tempos difíceis, e minha atuação pela democracia não sairia ilesa. Fui presa em 1977, e meus colegas, muito deles com ideias diferentes das minhas, não se calaram: no estacionamento da rua Itapeva, centenas deles se reuniram e exigiram minha libertação. Poucos dias depois, com alguns arranhões no corpo e na alma, fui solta. À escola e a eles, minha gratidão e o profundo desejo de que tempos tão tristes nunca mais se repitam.
Fonte: “Folha de São Paulo”, 20/9/2019