Há duas correntes no debate sobre violência. Para os “mano dura”, o crime é uma escolha e a impunidade seu motor. Implícitas estão as suposições de que os bandidos agem racionalmente, além da crença na incapacitação, isto é, um bandido preso é um a menos para delinquir. O outro lado diz que o crime é “socialmente construído”, em particular pela pobreza e a desigualdade.
Há também um ceticismo sobre o efeito dissuasivo das penas. Ambos têm razão, e moderação contribui para um debate produtivo. Mas o que falta não é moderação, e sim qualificação. Salvo honrosas exceções, os argumentos não são informados por evidência científica. Exímios comentadores em outros temas confundem a correlação com a causa ao falar de violência. Preso à ideologia, o debate é nefasto à política pública. Afinal, os argumentos não ultrapassam as platitudes de discussão de bar. Exemplo: a queda expressiva dos homicídios em São Paulo. Uma banda acha que foi endurecimento do policiamento e o aumento do encarceramento; outra atribui à melhoria nas condições socioeconômicas. Na falta de evidência, um achismo é tão bom quanto o outro. Por que a indiferença à evidência científica?Em parte faltam dados experimentais.
A queda dos homicídios em SP foi acompanhada de aumento no encarceramento, que já estava subindo desde meados dos anos 1990, quando os homicídios ainda subiam fortemente. Maior encarceramento é manifestação de policiamento mais efetivo, o que aumenta tanto a dissuasão como a incapacitação dos bandidos. Mas encarceramento também é consequência do crime. Há mais prisões onde há mais crime. Pode-se diminuir a dúvida sorteando quais estados aprisionam mais e menos.
A aleatorização permite interpretar as diferenças como o efeito causal do encarceramento. Infelizmente, ou não, sortear quase nunca é possível. A falta de experimentação não é desculpa para o vale tudo. A literatura mediu o efeito incapacitação usando técnicas não experimentais que imitam experimentos.
Os pesquisadores Paolo Buonanno e Stephen Raphael, em artigo publicado na American Economic Review, mostram que o perdão coletivo de presos aumentou o crime na Itália, o que sugere que o efeito incapacitação é grande. Em artigo publicado no Journal of Political Economy, os especialistas Rafael Di Tella e Ernesto Schargrodsky mostram, para criminosos e crimes parecidos, que a reincidência é maior entre os que vão para a cadeia do que entre os que recebem penas alternativas, como tornozeleira. O que fazer? Prender mais seletivamente porque cadeia ao mesmo tempo que incapacita é escola do crime? Ou prisão perpétua para todos, para evitar a reincidência causada pela escola do crime? A sociedade deve decidir.
A ciência orienta quanto aos fatos científicos. Incapacitação e reincidência são apenas alguns dos temas de estudos. O que é criminogênico, a droga ou sua proibição? É melhor espalhar o efetivo policial para dirimir o deslocamento do crime, ou concentrá-lo em áreas problemáticas? O Fóruns Estadão 2018 lançará alicerces para um debate sobre segurança pública baseado em evidência.
Fonte: O Estado de S.Paulo, 27/05/2014.
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