Cada vez que um governo muda as regras no meio do jogo, as empresas são obrigadas a se adaptarem e nem sempre esta adaptação se insere no contexto esperado
O Conselho Nacional de Seguros Privados (CNSP) acaba de baixar a Resolução 232 de 25 de março de 2011, alterando a Resolução CNSP 168, de dezembro de 2007, e revogando a Resolução CNSP 224, de dezembro de 2010.
Todo este movimento afeta as regras para a operação de resseguro, cujo monopólio foi quebrado pela Lei Complementar 126/07, regulamentada pela Resolução CNSP 168, que tem particularidades que fazem do Brasil um mercado atípico para as resseguradoras interessadas em operar com os riscos nacionais.
Numa série de três artigos publicados após a entrada em vigor das Resoluções CNSP 224 e 225, mostrei de forma simplificada o que é, para que serve e como funciona o resseguro. E mais que isso, mostrei que as duas Resoluções, além de ilegais, o que já seria suficiente para afastar novas resseguradoras interessadas em operar no País, ainda por cima criavam um clima de forte insegurança jurídica, colocando o Brasil entre as nações vistas com reservas para investimentos pelas grandes empresas de todos os setores econômicos.
Conhecer as regras do jogo e saber que elas serão mantidas, ainda que longe de serem as mais adequadas, é fundamental para uma empresa desenvolver seu plano de ação para uma determinada região. Cada vez que um governo muda as regras no meio do jogo, as empresas são obrigadas a se adaptarem a elas e nem sempre esta adaptação, seja lá pela razão que for, se insere no contexto empresarial desenhado pela companhia.
Os conteúdos das Resoluções CNSP 224 e 225 poderiam ter sido baixados numa única Resolução, aliás, o que seria o lógico. Como as duas afrontam a lei, na medida em que modificam disposição de Lei Complementar, são peças antijurídicas, ou seja, são atos administrativos nulos ou anuláveis através da competente medida judicial.
Pelo desenrolar do drama, não me parece que o governo não soubesse disto. Pelo contrário, o fato de terem sido baixadas duas Resoluções dá a entender que ele estava pronto para negociar, porque a chiadeira seria forte. E esta certeza se consolidou quando outra Resolução, do começo do ano, prorrogou a entrada em vigor da Resolução CNSP 224.
Ocorre que tanto as seguradoras como as resseguradoras não fizeram o barulho que seria de se esperar. A entidade que desde o princípio se posicionou publicamente de forma contundente contra as mudanças embutidas nas Resoluções 224 e 225 foi a ABGR (Associação Brasileira de Gerência de Riscos), que congrega os grandes segurados e que percebeu rapidamente que na melhor das hipóteses o seguro brasileiro custaria mais caro e que, na pior, poderia acontecer de o País ficar sem determinados tipos de cobertura de seguros, duas situações extremamente negativas para empresas que pelo porte e pelas atividades não podem prescindir destes produtos, e tampouco pagar por eles mais caro que a concorrência.
Não quer dizer que os representantes dos outros setores envolvidos não se movimentaram, eles o fizeram, mas com o passar do tempo o governo se sentiu forte o suficiente para peitar os anseios do mercado e praticamente manter intacta a ideia original contida nas Resoluções 224 e 225. Assim, nasceu a Resolução 232, que somada a Resolução 225, preservada na íntegra, mantém a cessão de 40% dos resseguros gerados no País para resseguradoras locais, e libera 20% das cessões de resseguros para serem feitas dentro do mesmo grupo empresarial.
Alguém poderia dizer que a Argentina fez muito pior, ou que as restrições originais das Resoluções 224 e 225 eram mais severas. É verdade. Mas o que é menos ruim não é bom, é apenas menos ruim. O Brasil precisará de resseguros vultosos para garantir a realização das obras públicas previstas para os próximos anos. O cataclismo japonês vai diminuir a capacidade do mercado e encarecer as apólices no mundo inteiro. Num cenário como este não é hora de fazer graça. Se não acontecesse mais nada, o seguro brasileiro já custaria mais caro. Cutucar a onça com vara curta só vai fazê-lo mais caro ainda.
Fonte: O Estado de S. Paulo, 04/04/2011
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