A corrupção é um problema crônico da política brasileira que atinge as bases estruturantes dos partidos nacionais. Tanto é verdade, que as denúncias pululam por todos os lados e por todas as latitudes. Nesse ambiente de desonestidade desbragada, o mensalão é o primeiro suposto esquema de improbidade política sistêmica que foi capturado pelos mecanismos institucionais de defesa do Estado. É claro que a imputação pode ser infundada, e os acusados serem anjos de cândida inocência. No entanto, se tudo fosse um sonho ou ilusão, o relator do processo sequer conheceria a acusação; teria fulminado a peça inquisitória em decisão monocrática. Para a incredulidade de muitos, o desfecho foi outro: a colenda Suprema Corte, em decisão plenária, recebeu a denúncia e instaurou o processo criminal.
Apesar da grita inicial, era voz corrente que a impunidade ganharia a bênção da prescrição. Mais um tiro pela culatra. O sistema, antes tão gentil, parece ter chegado ao limite da tolerância. A classe política não aceita e reluta, mas a maturidade democrática chega com flores primaveris. Começou com a fidelidade partidária, continuou com a Ficha Limpa e, agora, chegará com o histórico julgamento do mensalão. As pressões são naturalmente de toda ordem. Dizem, inclusive, que o ex-presidente Lula, em reunião intermediada pelo ex-ministro Nelson Jobim, andou tentando intimidar o ministro e também ex-presidente da Corte Gilmar Mendes. Entre fatos e versões, a verdade fica com o benefício da dúvida vazia.
Neste momento delicado da vida pública nacional, tenho muito lembrado da viva advertência do saudoso deputado Raul Pilla. Nas letras pulsantes de suas Palavras de um Professor, escrito em 1949, o modelar político gaúcho teceu a seguinte observação: “É a política ao mesmo tempo a mais bela e a mais feia, a mais nobre e a mais desprezível das atividades humanas. Tanto mais desprezível e feia nas suas deformações, quanto mais nobre e bela na sua pureza originária”. Sinceramente, ignoro se a personalidade superior do doutor Pilla imaginava que chegaríamos a tempos tão bicudos; todavia, partindo de sua lição, é possível dizer que, por mais desprezível que seja o mensalão, julgá-lo é um ato de nobreza. E, assim, aquilo que feio está poderá ganhar contornos de clássica beleza cívica.
Já tendo o julgamento data marcada, oportuno se faz trazer a lume o exemplo de um homem que conheceu a dor dilacerante da injustiça. Após mais de 15 meses na ignomínia da prisão arbitrária, o grande João Mangabeira, em seu lapidar libelo contra a ditadura, pronunciado em julho de 1937, bem sintetizou o papel institucional da Justiça togada: “Cumpriu o seu dever. E cumprir seu dever é a maior honra de um juiz ou de um tribunal dignos desses nomes”. O Brasil apenas espera que o Supremo cumpra o seu dever. Nem mais nem menos. Que não seja bom nem mau. Só justo!
Fonte: Zero Hora, 12/06/2012
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