Em Mercosul e Integração Regional, editado pela Imprensa Oficial, reuni, a pedido da direção do Memorial da América Latina, análises dos fatos mais relevantes do processo de negociação do cone sul e sul-americano.
No lançamento do livro, em debate com Mario Marconini, diretor de negociações comerciais da Fiesp, discutimos o Mercosul e suas perspectivas.
Nos últimos sete anos, a discussão sobre a integração regional ganhou novos contornos. O Mercosul, tendo perdido suas características iniciais de um acordo de comércio visando à gradual liberalização do intercâmbio comercial entre os países-membros (Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai), desviou-se da rota preestabelecida e hoje está estagnado e não é mais um instrumento para a abertura de mercado.
Em minha apresentação, ressaltei os pontos que me parecem mais importantes para entender o que acontece hoje com as negociações no âmbito do Mercosul.
O Mercosul foi um dos projetos que mais sofreu com a partidarização da política externa brasileira. A visão de mundo do Partido dos Trabalhadores, a prioridade para criar um contrapeso aos EUA na América do Sul e a inclusão da Venezuela como membro pleno do Mercosul alteraram profundamente os rumos do processo de integração sub-regional.
O esvaziamento do Mercosul no contexto do processo de integração regional e da globalização resulta, entre outros fatores, da falta de vontade de todos os governos dos países-membros de enfrentar decisões difíceis, sempre postergadas quando os presidentes se reúnem a cada seis meses.
Com as sucessivas medidas restritivas e contrárias à Tarifa Externa Comum (TEC), desapareceu a agenda de liberalização comercial, principal característica da fase atual do Mercosul, a união aduaneira. A perda de relevância comercial para os países-membros (o Mercosul representou cerca de 16% do comércio exterior brasileiro em 1998, ante menos de 10% em 2009) não estimula maiores esforços para a superação das dificuldades, como a eliminação da dupla cobrança da TEC e a aprovação do código de valoração aduaneira. A bilateralização das ações de política externa entre o Brasil e os países-membros e os demais vizinhos sul-americanos tirou o foco dos entendimentos plurilaterais.
Não podendo avançar na abertura de mercados, o Brasil influiu para que o Mercosul passasse a focalizar questões novas políticas e sociais.
A criação de órgãos regionais de integração, como a Unasul e a Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac) acabam por duplicar competências e contribuir para o esvaziamento do Mercosul.
Uma análise objetiva dos custos e benefícios do Mercosul para o Brasil não pode ignorar as dificuldades geradas pelo processo decisório baseado no consenso, e não no voto ponderado. Com o ingresso da Venezuela, os problemas potenciais aumentam pelas diferenças que existem nas agendas dos países da alternativa bolivariana (Aliança Bolivariana para as Américas – Alba) e o Brasil. A política da generosidade confunde objetivos políticos e partidários com o interesse nacional brasileiro ao aceitar todas as demandas da Argentina (em nome da solidariedade e da parceria estratégica), do Paraguai (pondo em risco a estabilidade do Tratado de Itaipu) e do Uruguai (por afinidade ideológica e pelas assimetrias de tamanho e peso econômico).
O Mercosul não conseguiu ampliar seus mercados por meio de negociações de acordos de livre comércio. Nos últimos oito anos, nenhum acordo de relevância foi negociado. Para ser factual, pode-se dizer que foi concluído um único acordo, com Israel, ainda não aprovado pelo Congresso, que pretende restringir as exportações de Israel ao excluir os produtos originários das áreas ocupadas por assentamentos israelenses. Há notícias da retomada de entendimentos com a União Europeia e o México para a conclusão de acordos há muito demandados pelo setor privado. A eventual conclusão desses acordos será bem-vinda, mas não devemos minimizar as dificuldades técnicas, políticas e comerciais para chegar a um resultado amplo e equilibrado.
As negociações do Mercosul se realizam em meio a uma situação cada vez mais complexa na América do Sul. A região, em vez de caminhar para uma integração benéfica para todos, enfrenta um processo de desintegração política e fragmentação comercial. Sem mencionar a corrida armamentista representada por crescentes compras de armamentos por quase todos os países, multiplicam-se as divergências entre eles, como as tensões entre Venezuela e Colômbia (tanto militares como comerciais), Argentina e Uruguai (pela construção de fábrica de celulose), Chile e Peru, Equador e Colômbia (que estão com relações diplomáticas rompidas) e Paraguai e Brasil (o Paraguai quer rever o Tratado de Itaipu, o que traria grandes problemas para a segurança nacional brasileira).
Finalmente, a crescente projeção global do Brasil, com interesses econômicos e comerciais espalhados por todos os continentes, faz com que os formuladores de decisão no governo e o setor privado comecem a perceber que o horizonte brasileiro vai mais além do Mercosul. Se mantivermos uma taxa de crescimento sustentável e o Brasil se tornar a quinta economia do mundo na próxima década, o Mercosul, assim como a América do Sul, vão se tornar pequenos para o Brasil.
Por tudo isso, impõe-se um choque institucional no Mercosul. É preciso permitir a flexibilização das regras em vigor para tornar possíveis entendimentos individuais de cada país-membro. Seria necessário também uma reformulação na estratégia de negociação comercial externa, para que o Brasil possa, a exemplo de outros países, ter uma política agressiva de abertura de mercados via acordos de livre comércio.
Fonte: Jornal “O Estado de S.Paulo” – 27/04/10
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