A América do Sul é, na retórica oficial, a principal prioridade da política externa do governo Lula e a que também apresenta os maiores problemas. A partir de 2003, as ações diplomáticas do Brasil no continente foram influenciadas pela partidarização da política do Itamaraty. Ao colocar em prática a plataforma do partido no poder, a política externa deixou de ser de Estado e passou a ser do PT.
A diplomacia da generosidade em relação a nossos vizinhos, fato inédito nos anais da diplomacia mundial, é uma das consequências da partidarização. Essa generosidade faz-se presente por causa das afinidades ideológicas e partidárias com Bolívia e com o Paraguai e porque o governo quer preservar sua parceria estratégica com Argentina e Venezuela. O Brasil passou a ter uma atitude reativa às propostas da Venezuela (criação do Banco do Sul) e às políticas comerciais da Argentina (restrições contrárias às regras do Mercosul e da OMC a nossos produtos de exportação).
O precedente da tímida reação à nacionalização das refinarias da Petrobrás na Bolívia, em 2006, serviu de estímulo ao Equador, à Argentina e ao Paraguai, que, sem a menor cerimônia, passaram a se sentir no direito de desrespeitar compromissos assumidos com o Brasil.
O Paraguai, querendo a revisão do Tratado de Itaipu, apresentou uma “pauta de reivindicações” que incluiu a exigência de um “preço justo” para a venda da energia excedente de Itaipu e o cancelamento da dívida contraída pelo Paraguai com a construção da hidrelétrica, sob nosso olhar complacente. Tudo feito sem preocupação com o alto preço a pagar, com os poucos ganhos políticos de nossa parte e sem levar em conta o interesse nacional.
O principal projeto da política externa do governo Lula, o Mercosul, está seriamente abalado e sem perspectiva. Do ponto de vista de uma política externa que seja de fato do interesse do Brasil, a sua preservação, como personalidade jurídica e como um processo mais complexo de integração, deveria ser prioridade do Itamaraty.
O Brasil nada fez para estancar a fragilidade do Mercosul, decorrência do seguido descumprimento do Tratado de Assunção. O Mercosul é hoje uma união aduaneira imperfeita e seus críticos querem que volte a ser área de livre comércio. Caso isso viesse a ocorrer, o desaparecimento da Tarifa Externa Comum poderia, no médio prazo, ser contrário aos interesses da indústria brasileira pela perda das preferências e pela inevitável triangulação, sobretudo com a China.
Os objetivos de longo prazo do Tratado deveriam permanecer. O importante, do ponto de vista do Brasil, é não limitar – como ocorre agora – a margem de manobra na busca de acordos com parceiros comerciais importantes, como a União Europeia e países asiáticos. Essa modificação no Mercosul deveria ser parte de nova estratégia de negociação, mais condizente com os interesses do País. Ao Brasil deve interessar que todos os vizinhos cresçam e prosperem. Como a maior economia da região, o Brasil deveria apoiá-los de forma realista, adequada com esse objetivo. Apesar das resistências, todos os países esperam que o Brasil assuma suas responsabilidades e lidere as propostas de mudanças e de integração regional.
No momento em que a região enfrenta um processo de desintegração política e fragmentação comercial, o Brasil, por não ter claramente definidos seus objetivos, está sem estratégia para promover a integração regional e permanece na defensiva e a reboque dos acontecimentos.
Dentro de uma visão estratégica de médio e longo prazo na região, é do interesse brasileiro:
Reconhecer a prioridade da América do Sul e pautar a atitude em relação aos vizinhos pelos valores defendidos internamente (democracia e direitos humanos) e pelo estrito interesse nacional.
Negociar a ampliação dos acordos bilaterais com todos os países sul-americanos, garantindo aos nossos vizinhos ampla abertura do mercado brasileiro.
Negociar acordos de garantia de investimento para proteger empresas nacionais.
Manter a prioridade do processo de integração regional, com atenção especial a infraestrutura, energia e intercâmbio comercial; e retomar projetos de construção de rodovias e ferrovias de modo a permitir que as exportações de produtos brasileiros para a Ásia saiam a partir de portos do Peru e do Chile, o que é estratégico para nossos interesses comerciais de médio prazo.
Manter o apoio ao Mercosul, como um processo que levará a uma crescente integração comercial dos países do Cone Sul a longo prazo. Para benefício de todos os países-membros, a resolução que determina que os membros do Mercosul negociem acordos comerciais com uma única voz deveria ser flexibilizada para permitir que cada país possa negociar individualmente sua lista de produtos. Deveria ser feita uma avaliação objetiva sobre a entrada da Venezuela no Mercosul.
Reexaminar a melhor forma de participação do Brasil nas recém-criadas instituições sul-americanas (Unasul, Celalc, Conselho de Defesa).
O crescente peso econômico do Brasil na América do Sul e no contexto global, além da intensa participação nos temas globais e no grupo dos BRIC exigirão respostas rápidas e transparentes aos desafios do novo quadro político na região. Caso a economia continue a crescer a altas taxas de maneira sustentável, a América do Sul e o Mercosul ficarão pequenos para o Brasil.
Ao contrário da percepção oficial, a política externa brasileira na América do Sul é uma bomba de efeito retardado que o atual governo deixará para seu sucessor.
Fonte: Jornal “O Estado de S. Paulo” – 09/08/10
O Presidente Luiz Inácio Lula da Silva não é estadista, nem por formação, verve inflamada, não consegue ver o todo, o conjunto. Partidarizado, o Estado, concordo, tornou-se na diplomacia externa alvo do petismo.