A queda na qualidade da representação parlamentar é um fenômeno que se espalha por boa parte dos países da nossa região, avalia o sociólogo Bernardo Sorj, mas há razões específicas ao Brasil que são destacadas pelo historiador José Murilo de Carvalho, da Academia Brasileira de Letras, e pelo cientista político Sérgio Abranches: os reflexos dos 21 anos da ditadura militar que o país viveu.
Para José Murilo de Carvalho, um dos fatores que afetaram a qualidade da elite política atual “é o fato de que a geração que está agora ocupando espaço no Executivo e no Legislativo teve, sim, uma escola ruim, mas uma escola política ruim. Ela amadureceu durante a ditadura quando o Congresso permaneceu aberto, mas castrado pelo regime. Esta geração de políticos guardou então da atuação política uma visão puramente utilitária, sem qualquer dimensão cívica”.
Já Abranches diz que a ditadura interrompeu o fluxo de formação de lideranças acostumadas aos embates democráticos desde o movimento estudantil. Este foi capturado e monopolizado por partidos que não têm cultura democrática. A disputa tolerante entre visões e correntes diversas e o pluralismo desapareceram da política estudantil, que foi um campo de formação de lideranças.
“Não criamos novos canais de formação de lideranças políticas. O fim da clandestinidade forçada não reabriu o processo democrático na política estudantil”. Bernardo Sorj vê múltiplas razões para a decadência política na América do Sul, onde excetua o Chile e o Uruguai, como o surgimento de partidos novos, com frágil conteúdo programático, basicamente máquinas eleitorais em contextos de profundas transformações sociais (em particular processos de urbanização) que desorganizaram os velhos sistemas de fidelização de voto.
A perda de qualidade parlamentar é causada por dois motivos fundamentais, segundo Sorj: 1) a carreira política passou a ser uma oportunidade para pessoas que vêem nela uma forma de ascensão social e enriquecimento pessoal. Se trata de indivíduos onde o público está ao serviço do privado. 2) A nova geração da elite social e cultural se afastou da vida política – mas não da carreira pública, haja vista no Brasil, por exemplo, a nova geração de promotores.
A política é vista como um lugar de ineficiência e corrupção por uma geração com orientação cosmopolita e menos engajada nos problemas nacionais. Quando se engaja, o faz através de organizações de sociedade civil nas quais podem promover causas públicas sem ter que entrar em negociações e negociatas.
Eles consideram também o setor privado e o mundo empresarial mais atrativo e correto, com regras definidas de meritocracia e de ascensão econômica. Sergio Abranches concorda em que houve perda de reputação e prestígio da atividade política, que desvia jovens que teriam perfil para a política profissional para outras atividades de maior prestígio.
Ampliou-se também o acesso às candidaturas, principalmente pela democratização e eliminação de barreiras elitistas e pela fragmentação partidária, ressalta Abranches. Os movimentos organizados (CUT, sindicatos, organizações patronais, etc…) e igrejas evangélicas passaram a buscar representação parlamentar. “Esse processo de ampliação de acesso está relacionado à urbanização acelerada, ao aumento das comunicações, à penetração da TV e, sobretudo, à mobilidade social e econômica”.
O sociólogo Francisco Weffort acha que temos uma lei eleitoral inspirada em princípios que se adequaram, em alguma medida, ao Brasil de após 1945, mas que são inteiramente inadequados para o Brasil de após 1985. “Naquela época nós estávamos ainda saindo dos limites de uma sociedade rural, hoje somos plenamente uma sociedade urbana de massas. Neste sentido, quanto mais se urbaniza (e, paradoxalmente, quanto mais se democratiza) a sociedade, mais decai a representação”.
O também sociólogo Simon Schwarzman vê uma grande ampliação de acesso na política, “não necessariamente aos mais pobres, mas aos detentores de “dinheiro novo” obtido de forma mais ou menos ilegal, figuras de grande visibilidade como radialistas e jogadores de futebol, líderes religiosos e representantes de algumas categorias profissionais como policiais, e outras, sem falar de milicianos e outros personagens mais ou menos sinistros”. (Na terça-feira, propostas para reforma política)
Fonte: “O Globo”, 01/05/2016
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