A regra de ouro das contas públicas estabelece que a União não pode se endividar para pagar gastos correntes, mas apenas despesas com investimento e refinanciamento da dívida. É uma boa regra constitucional, pois proíbe uma geração de empurrar para as próximas o custo de um Estado gastador.
A regra, porém, precisa de ajustes. Ela não prevê mecanismos de correção de rumo quando violada e não tem conseguido ser instrumento indutor do ajuste fiscal necessário para seu cumprimento.
Apesar do aumento da transparência das contas públicas no governo Temer, não está suficientemente claro para a classe política, o Judiciário e a sociedade o tamanho da crise fiscal e a importância da regra de ouro.
Não cumprir a regra de ouro implica ameaça ao mandato presidencial, que passa a depender da autorização do Congresso para contratar crédito extra.
Para 2019 há uma complicação adicional, pois já se sabe de antemão que não há como a regra ser atendida, por conta dos elevados e crescentes gastos obrigatórios, como o da Previdência. O Executivo não pode enviar ao Congresso um orçamento para 2019 que viole as normas legais.
A necessidade de ajuste no orçamento é da ordem de expressivos R$ 200 bilhões, o que talvez só possa ser realizado ao longo de alguns poucos anos. Nesse ínterim, alguma flexibilização da regra de ouro poderá ser necessária para evitar a paralisação de serviços públicos (shutdown).
Chegar a esta situação foi um grave erro do país. Reformas foram irresponsavelmente adiadas e os órgãos de controle se omitiram.
Flexibilizar a regra sem qualquer contrapartida é algo a ser evitado a todo custo. Abre-se perigoso precedente. Ademais, já deixamos uma herança terrível para os jovens, de um país que cresce pouco. Não podemos aumentar a fatura.
Qualquer flexibilização deveria ser condicionada um plano de controle das despesas, como pretendido pelo governo. Ventilou-se congelar o valor dos rendimentos do funcionalismo e abrir a possibilidade prevista na Constituição de reduzir a jornada e os salários dos servidores. Além disso, os três poderes e os órgãos independentes, como Ministério Público e Defensoria Pública, precisam ser abrangidos pelas contrapartidas. O custo do ajuste não pode recair apenas sobre o Poder Executivo.
Prazos e vedação para flexibilizações futuras precisam ser estabelecidos para que a regra não gere leniência com a crise fiscal, muito menos autorização para mais concessões a grupos de interesse.
Seria importante também reforçar os incentivos da regra de ouro para a execução do ajuste fiscal. A proposta deste artigo é estender a responsabilidade pelo cumprimento da regra de ouro aos chefes do Judiciário e do Legislativo, não se limitando apenas ao Executivo.
No desenho atual, não apenas esses poderes não têm incentivo algum para contribuir para o ajuste fiscal, como ambos, com frequência, criam obrigações à União, que é a única responsabilizada pelo descumprimento da norma constitucional.
Os poderes têm tomado decisões sem considerar suas implicações fiscais. Um equívoco.
Decisões do Judiciário têm atrapalhado o ajuste fiscal, como na liminar do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Ricardo Lewandowski suspendendo o adiamento do reajuste dos servidores e a elevação da contribuição previdenciária, e a de Luiz Fux autorizando o auxílio-moradia a juízes. Isso quando não impõe perdas à União, como nas liminares em 2016 a favor dos Estados que questionavam o cálculo de suas dívidas.
No Congresso, a fragilidade do presidente tende a ser explorada politicamente. O mandato presidencial fica ameaçado caso o Congresso não aprove as reformas necessárias ao equilíbrio fiscal.
A responsabilidade pelo atendimento da regra de ouro precisa ser compartilhada, criando incentivos para posturas fiscalmente responsáveis de todos os poderes. Quem sabe se fosse assim, a reforma da Previdência já teria sido aprovada. O modelo atual fragiliza as contas públicas e a democracia.
Fonte: “O Estado de S. Paulo”, 10/01/2018
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