O governo federal chutou o aumento de imposto para depois da Copa do Mundo, mas as cervejas e refrigerantes já acumulam alta acima da inflação nos últimos 12 meses. Segundo dados do IBGE, enquanto o IPCA, índice de referência das metas de inflação do governo, avançou 6,28% entre maio de 2013 e abril deste ano, o preço da cerveja consumida nos bares e restaurantes subiu 11,44% no período. Até quem quem aprecia uma loira gelada dentro de casa, compradas em supermercados e padarias, sentiu o peso maior no orçamento: o repasse chega a 9,37%.
O consumidor também sofre com o aumento nos preços dos refrigerantes: fora de lar, as bebidas acumulam alta de 8,98%, número maior que o avanço de 7% para quem consume dentro de casa. Segundo especialistas em inflação, os preços maiores refletem o aumento do impostos para as chamadas bebidas frias no ano passado, o avanço da renda dos consumidores, a alta nos custos dos serviços e o aumento de margem das companhias do setor.
A pedagoga Márcia Aguiar e o analista de sistemas Eduardo Pereira planejaram com um ano de antecedência a viagem de Belém ao Rio de Janeiro, para acompanhar a Copa. Na praia de Ipanema, se assustaram com os preços.
— Era bom quando o vendedor gritava “duas por cinco”. Não vejo mais uma cena dessas. Hoje, resolvemos comprar a lata de cerveja na praia, e saiu por R$ 5 a unidade — conta Pereira, que pretende aderir à moda do “isoporzinho” nos próximos passeios.
A poucos metros deles, mais prevenidos, Anderson da Silva e Ivone Charán, de Florianópolis, trouxeram o utensílio, já comum entre os frequentadores do local.
— Eu sabia que não teria como escapar dos preços altos. Antes de vir à praia, passei no mercado e comprei as bebidas. Lá, pelo menos, os produtos não estão tão caros — avalia Silva. — Se o governo aumentar o imposto, paciência. É que nem gasolina: é impossível deixar de consumir, mas agora só mesmo quando for possível — brinca.
Reajuste deve ter impacto de 2 pontos percentuais
Economista-chefe da ABC Brasil, Luis Otavio de Souza Leal diz que o novo aumento, que entraria em vigor em 1º de junho e ficou para 1º de setembro, vai refletir em uma alta de dois pontos percentuais nos preços da categoria bebidas neste ano. Assim, diz Leal, o avanço no ano deve ser de 8%. O número, porém, será pouco menor que os 8,5% registrados no ano passado.
— O brasileiro ainda continua com aumento de renda e por isso continua consumindo cerveja e refrigerante. É isso que vem sustentando essas categorias. O que muita gente tem feito é trocar por marcas mais baratas. Ou seja, estão adaptando o seu consumo. Os preços dessas bebidas aumentaram por uma série de questões, como o valor das matérias-primas e o dólar, por exemplo — explicou Leal.
Além de Leal, Adriana Molinaro, analista da Tendências, pontua o aumento dos preços das bebidas fora de casa. Segundo eles, o aumento nos custos de aluguel e os reajustes salariais explicam o forte avanço dos preços em bares e restaurantes nos últimos 12 meses.
— Nesse caso, essas categorias seguem a dinâmicas dos preços de serviços em geral. Mesmo com o adiamento do imposto, haverá altas nos preços neste ano. O impacto deste aumento no IPCA será de 0,02 ponto percentual — diz Adriana.
Fabricantes e varejistas argumentam que não têm mais capacidade de segurar os reajustes. A margem bruta da Ambev, maior fabricante de bebidas do país, com cerca de 70% do mercado nacional, subiu de 69,5% para 70,8% do primeiro trimestre de 2013 para igual período deste ano. Mas isso pode refletir, segundo especialistas, o avanço de produtos de margens mais elevadas (como Budweiser, Stella e Antarctica Original, chamadas pela indústria de “premium”) nas vendas da empresa.
— A Ambev sempre repassa inflação e aumento de impostos — diz Catarina Pedrosa, analista do Banco Espírito Santo (BES) que acompanha a empresa. — Mas a margem depende do mix de produtos, e as empresas têm mudado o mix para melhorar o resultado.
Repasse de até 30% na porta da fábrica
Um executivo do setor, que pediu para não ser identificado, diz que desde que foi anunciada a revisão das tabelas, a previsão era de impacto de 30% no preço na porta das fábricas, no caso das cervejas, e de 15% para os refrigerantes, com repasse entre 10% e 12% no varejo.
— Quando o governo anunciou que o impacto no preço final seria de 1,3%, depois 2,25%, foi uma conta que a gente não entendeu de onde veio. O modelo tributário atual, das tabelas e dos redutores usados para calcular o imposto, vem comendo as margens da indústria e do varejo. Não dá mais para absorver os aumentos reais embutidos nessas correções. O setor já chegou no limite, a partir de agora, novos aumentos vão gerar queda de investimentos, desemprego e inflação. A reunião de hoje sinalizou que há espaço para mudança desta lógica, o que é um ponto muito positivo — analisou o executivo, acrescentando que, em dez anos, de 2003 a 2012, a arrecadação tributária do setor cresceu 100%, de R$ 5 bilhões para R$ 10 bilhões.
Alexandre Sampaio, presidente da Federação Brasileira de Hospedagem e Alimentação (FBHA), que participou do encontro com o ministro Guido Mantega, disse que a projeção de aumento apresentada pelo Ministério da Fazenda é “completamente irreal”.
— Em alguns casos, como o das cervejarias menores, os aumentos chegariam a 400% no preço. A inflação nos últimos meses sacrificou o lazer. Houve ainda aumento dos custos operacionais e dos preços agropecuários. Mostramos que um aumento agora iria criar perdas para todo o setor — disse Sampaio.
Segundo Sampaio, o governo decidiu criar em agosto um grupo de trabalho. Mas o aumento no varejo pode ficar acima do esperado, perto dos 15%.
— Será maior que os 10% de junho, mas combinamos que não haveria aumento de preços na Copa. O setor se comprometeu ainda a não demitir seus funcionários e a manter os investimentos já programados — disse Sampaio.
Fonte: O Globo
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