Dos 513 deputados, 398 tentarão se reeleger nas eleições deste ano para ocupar novamente uma cadeira da Câmara. Na disputa com os demais candidatos, os atuais deputados terão pontos positivos a apresentar, mas também muitas explicações a dar. Marcada pela mais forte pressão popular dos últimos anos, a atual legislatura aprovou propostas importantes como o fim do voto secreto e mais recursos para educação. Deixou de lado, no entanto, a votação de projetos importantes que destinariam mais verbas para a área de saúde, a regulamentação dos direitos do trabalhador doméstico e da PEC do Trabalho Escravo e as reformas política, tributária, previdenciária e trabalhista.
Além disso, nos três anos e meio de mandato, deputados e senadores viveram momentos de constrangimento, como a absolvição da deputada Jaqueline Roriz (PMN-DF), flagrada em vídeo recebendo dinheiro do esquema de corrupção do mensalão do DEM de Brasília. Os senadores cassaram o mandato do ex-senador goiano Demóstenes Torres, acusado de envolvimento com o esquema de corrupção do bicheiro Carlinhos Cachoeira. Na Câmara, depois de manterem, em voto secreto, o mandato do deputado presidiário Natan Donadon (PMDB-RO), os deputados aprovaram o voto aberto nas votações do Congresso e o cassaram.
Além da taxa menor de deputados que tentarão a reeleição em relação a outras eleições, a Câmara também perderá personagens que há anos influenciam e comandam os debates na Casa, Alguns deles alçarão voos mais ousados. O presidente da Câmara, Henrique Eduardo Alves (RN), tentará se eleger para o governo de seu estado. O líder do PSB, Beto Albuquerque (RS), e o ex-líder do DEM, Ronaldo Caiado (GO), disputarão uma vaga ao Senado. E o novato Romário (PSB-RJ), com apenas um mandato, também tentará o Senado. Há entre os deputados os que não disputarão nenhum cargo, como o tucano Emanuel Fernandes (SP), Abelardo Lupion (DEM-PR), Inocêncio Oliveira (PR-PE), Alfredo Sirkis (RJ) e Walter Feldman (SP), que tentaram criar a Rede e acabaram se filiando ao PSB.
No Senado, também saem de cena figuras conhecidas, como o senador Pedro Simon (PMDB-RS) e o ex-presidente José Sarney (PMDB-AP). Na eleição deste ano, 27 senadores terminarão seus mandatos e apenas 9 deles tentarão se reeleger. Outros cinco disputarão outros cargos, mas 12 deles desistiram de concorrer a qualquer cargo. Entre os 54 que ainda terão quatro anos de mandato, 20 disputarão as eleições deste ano, entre eles Aécio Neves (PSDB-MG), candidato à presidência da República.
Entre os projetos importantes aprovados pelos deputados e senadores estão o Plano Nacional de Educação (PNE), que destina 10% do PIB para o setor, cotas para negros em concursos públicos no Executivo e para alunos de escolas públicas em universidades, aumento da pena para quem faz rachas em vias públicas, destinação de royalties do petróleo para educação e saúde e o Marco Civil da Internet, que já viraram lei. Na área de transparência, estão a Lei de Acesso à Informação e a PEC do voto aberto no Congresso. Também foram aprovadas as PECs do Trabalho Escravo e das Domésticas, mas ambas precisam de regulamentação.
Mais uma vez, porém, os deputados não conseguiram avançar na votação da reforma política. Beneficiários do atual sistema e com interesses em jogo, grupos de parlamentares e legendas se unem e impedem o avanço da votação de pontos importantes, que poderiam melhorar a imagem da Casa e dos políticos. Em relação à outra legislatura, o novo entendimento que permitiu votações de propostas, mesmo com a pauta trancada por medidas provisórias, reduziu a paralisia da Casa.
Para o diretor de documentação do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap), Antônio Augusto de Queiroz, a legislatura teve altos e baixos, mas produziu votações importantes. Ele cita propostas na área de transparência, como a Lei de Acesso à Informação e a lei que trata de conflito de interesses e estabelece uma série de restrições para o servidor público que deixa o cargo e vai para a iniciativa privada. Entre elas, a noventena, além de punições para quem passar informações sobre o cargo que ocupou.
— Do ponto de vista quantitativo, produziu menos leis do que as anteriores, mas, qualitativamente, apesar de não ter feito as grandes reformas, aprovou matérias relevantes. Temas que estavam há anos parados, como a PEC do Trabalho Escravo e o voto aberto no Congresso, foram aprovados — afirmou o diretor do Diap.
Queiroz afirma que aprovação do voto aberto dificultou e dificultará os movimentos mais corporativistas dos parlamentares e diz que a pauta de projetos que provocariam impacto muito grande nas contas públicas acabou sendo minimizada nesta legislatura. Aprovaram o piso salarial dos agentes comunitários de saúde, mas não votaram a PEC 300, que garantia o piso de policiais e bombeiros, nem a jornada de 30 horas para os enfermeiros, entre outros projetos.
Constrangimentos e cassações
O presidente da Câmara, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), que assumiu a presidência depois de 11 anos de mandato, destaca como momentos positivos de sua gestão a votação de projetos como o novo Código de Processo Civil, o Marco Civil da Internet, o Supersimples e o Plano Nacional de Educação (PNE). Para ele, mesmo muitos desses projetos vindos do Executivo, foi o empenho dos deputados em melhorar as propostas que garantiu a qualidade das novas leis.
— No PNE, por exemplo, havia entraves e conseguimos convencer o governo das alterações e garantir os 10% do PIB para a educação. Discutimos com juristas, especialistas, por mais de dois anos, o novo Código de Processo Civil. É preciso ver a qualidade das leis aprovadas aqui — difendeu Alves.
O deputado enumera como legado projetos que garantirão a altivez do Legislativo frente ao Executivo. Entre eles, a PEC do Orçamento Impositivo, que pretende votar antes de deixar a Casa. Assim como o decreto que suspende o decreto da presidente Dilma Rousseff que cria os conselhos populares. Segundo ele, é injusto ser acusado de ceder às pressões das galerias da Casa.
— Sei que em alguns momentos posso ter desgostado o Poder Executivo, mas essa Casa não é um ministério do Executivo, é um poder altivo e tem um papel importante em relação à cidadania. São demandas da sociedade e essa Casa tem que estar aberta a elas. Não é apenas prioridade exclusiva do Executivo atender às demandas sociais do nosso país. Por que só o Executivo pode fazer, realizar, festejar os atos no Planalto?
Para Henrique Alves, que enfrentou a polêmica eleição do pastor Marco Feliciano (PSC-SP) para a Comissão de Direitos Humanos, a invasão do plenário da Casa por índios e a renúncia do vice-presidente André Vargas (sem partido-PR) por suposto envolvimento com o doleiro Alberto Youssef, o momento mais constrangedor foi mesmo a absolvição do deputado presidiário Natan Donadon (PMDB-RO) pelo plenário da Casa, em 2013. Só em 2014, com o voto aberto, ele perdeu o mandato.
— Foi o momento mais difícil, mais constrangedor. Foi preciso aquela frustração (absolvição de Donadon), aquela decepção para que a Casa entendesse que esse procedimento mais doloroso, pelo convívio, pela convivência, não poderia ser a regra. A regra tem que ser o julgamento sereno em nome do povo brasileiro — disse Henrique Alves.
Nos primeiros dois anos da legislatura, o presidente foi o petista Marco Maia (RS). A Câmara votou matérias importantes, como a Lei Geral da Copa, as mudanças no Código Florestal, os royalties do Petróleo e a PEC do Trabalho Escravo, que desde 2004 estava engavetada na Casa. Os deputados também avançaram na votação de pontos da reforma da previdência do setor público, criando o Funpresp — regras de aposentadoria mais parecidas com as do INSS para os que ingressarem na carreira. A medida permitirá, a longo prazo, uma redução no déficit. Essa legislatura, no entanto, não votou o fim do fator previdenciário, que prejudica trabalhadores da iniciativa privada que começam a trabalhar mais cedo. Marco Maia, no entanto, que elegeu-se depois de garantir o aumento do subsídio dos parlamentares quando era vice-presidente, votou o fim do 14º e 15º salários, mas mantendo a ajuda de custo no início e no fim de cada mandato.
Protestos aceleraram votações
No Senado, o comando da Casa foi exercício do ex-presidente José Sarney (PMDB-AP) nos primeiros dois anos. A eleição do senador Renan Calheiros (PMDB-AL) para o segundo biênio foi criticada por movimentos sociais que pregaram o “Fora Renan”. Em 2007, denúncias de corrupção o levaram a renunciar à presidência do Senado. Absolvido pelos colegas em plenário, Renan manteve o mandato, foi reeleito e disputou a presidência em 2011, para o biênio 2013/2014. Para limpar sua imagem, assumiu anunciando medidas para reduzir gastos da Casa. Seu lema é que o Senado é hoje a “instituição mais transparente da América Latina”. Em 2013, no auge das manifestações de rua, ele foi alvo do “Fora Renan”, um movimento que chegou a reunir mais de um milhão de assinaturas.
Renan faz um balanço positivo da gestão. Como votações importantes no primeiro semestre de 2014, ele citou o Marco Civil da Internet, a Lei da Palmada, a prorrogação da Zona Franca de Manaus por mais 50 anos e ainda a universalização do Super Simples. Antes do final do ano, Renan quer votar propostas como o projeto que muda o indexador das dívidas dos governos estaduais junto à União e as alterações no Código de Processo Civil.
O presidente do Senado lembrou que, numa resposta às manifestações de junho de 2013, a Casa aprovou 40 propostas em 20 dias, mas que parte delas ainda estão paradas na Câmara, como o Código de Proteção ao Usuário do Serviço Público.
Fonte: O Globo.
No Comment! Be the first one.