Rascunho de um (possível) discurso no Fórum Econômico Mundial de 2014
Permitam-me que eu os chame desse modo: capitalistas de Davos. Afinal de contas, vocês viajam para cá todos os anos para melhor administrar os seus negócios, não é mesmo? Pelo que me disseram, aqui é o lugar onde a concentração de capitalistas por centímetros quadrados é a maior do mundo. Dizem até que, se houver uma catástrofe, um ataque terrorista – eu, obviamente, rezo para Nossa Senhora para que nada disso aconteça – desaparecerá com vocês mais ou menos 20 por cento do PIB do planeta. Será verdade? Não sei. Vocês, que dispõem de excelentes economistas, que calculem isso; os meus economistas estão muito ocupados neste momento fazendo cálculos para eu começar uma nova política econômica.
Pois bem, é sobre isto que eu vim lhes falar neste dia. Desculpem se eu não apareci antes, mas é que o pessoal do Fórum Social Mundial vivia me torrando a paciência para ir falar para eles as coisas que eles gostam. Cansei! Os antiglobalizadores não têm nada de útil a propor, nem para o mundo, muito menos para o meu governo. Então, eu disse para mim: vamos lá, debater com aqueles capitalistas, ouvir o que eles têm a dizer e dizer-lhes umas coisas novas.
As minhas são estas: durante certo tempo – eu colocaria aí uns 20 ou 30 anos – acreditei num conjunto de receitas de crescimento propostas pelos keynesianos de botequim de lá onde eu fiz o meu curso de economia. Saí de lá convencida que tudo estava resolvido, e que o ponto essencial era sustentar a demanda agregada, estimular o consumo das massas, enfim, inverter a tal de lei de Say, como receitava o nosso guru maior, não o Marx, mas o Keynes. A gente sabe que o Marx não serve muito para administrar uma economia complexa, não é mesmo? Assistimos os países marxistas dando dois suspiros e depois, pluf!, sumiram. Eu também tive essas ilusões, mas já passou. Depois, passei a apostar nas receitas daquele inglês. E assim foi feito, nos últimos três anos. Só que na hora de comer a omelete, só tinha ovos quebrados; não tivemos nem mesmo um modesto crescimento de 3%. Dá para continuar assim? Não dá!
Então, resolvi aposentar essas ideias e vim dizer a vocês que, daqui para a frente, tudo vai ser diferente. Chega de receitas do Chávez, da Cristina, dos meus amigos da UniCamp; a palavra de ordem agora é produtividade, competitividade, essas coisas que vocês estão sempre falando. Vou fazer uma nova política econômica, a nossa NEP, com a diferença que não vai ser preciso nenhum Stalin para implantar o novo modelo. Parte do pessoal vai reclamar um pouco, mas eu sei tratar com eles, com jeito e persuasão.
Vou começar dizendo a eles uma coisa muito simples: se o governo não precisar de mais dinheiro do que já arrecada, o Banco Central não vai precisar aumentar os juros, certo? Mais ainda: se com esse dinheiro ainda der para pagar todos os juros da dívida, melhor ainda. Vou determinar que superávit primário não seja mais primário, mas sim final. O governo agora só gasta o que tem, inclusive com os juros da dívida.
Outra coisa: eu também acho um absurdo o preço dos carros no Brasil. As nossas montadoras têm de fazer como as de vocês, espalhadas pelo mundo: comprar peças e acessórios onde for mais barato, o que vale dizer que as nossas, que aliás são todas de vocês, vão ter de se integrar às suas fábricas espalhadas pelo mundo. Acho que vai ser o começo do fim dessa indústria infante que já tem mais de cinquenta anos e que nunca quis deixar a mamadeira do governo. Pois para mim, chega!
Mais ainda: acho um absurdo o preço das passagens aéreas, o pessoal da Copa está reclamando, e aí descobri que nós vivemos em duopólio. A partir de agora vou declarar a política de céus abertos no Brasil: aceitaremos todas as companhias, e já estou mandando privatizar todos os nossos aeroportos. A Infraero nunca funcionou direito: ainda há pouco uma menina se machucou no Rio, por falta de inspeção dessa geringonça que só sabe cobrar e não investe quase nada.
Vocês estão cansados de saber que nossas estradas são ruins, que as tarifas telefônicas são absurdamente caras e que as comunicações são lentas. Vou determinar abertura total, quanto mais concorrência melhor. Preparem-se, pois os mercados do Brasil vão estar totalmente abertos em menos de um ano. Cansei de ouvir reclamações, e isso não tem nada a ver com os 40% que cobramos de impostos, pois o pessoal nem sabe disso, mas sim com o fato de que as companhias estão mal acostumadas. Vou abrir outros setores cartelizados, vocês vão ver.
Sim, o Mercosul: parece que até os capitalistas de São Paulo, que já ganharam muito com o Mercosul, cansaram de vez, e acho que eles têm razão: vamos falar olho no olho com os nossos hermanos e dizer o seguinte: ou a gente abre, e se integra ao mundo, ou não tem mais sentido ficar fazendo todas essas reuniões, só para ouvir mais reclamações a cada vez. Os colegas uruguaios têm razão, mas não é por causa da maconha, e sim quando eles querem fazer acordos com quem tem mercado para oferecer. Não dá mais para se esconder como o avestruz. O Mercosul tem de voltar a ser o que ele já foi.
Vou mais longe: estou saindo daqui para Havana e Caracas. Vou dizer ao Raul e ao Maduro que as coisas que eles estão fazendo simplesmente não se sustentam: não tem lógica econômica no que eles querem; eles precisam mudar, pois quem vai pagar a conta, mais uma vez, é o povo.
Pois é isso, meus capitalistas de Davos: eu quero dizer a vocês que o Brasil está aberto aos negócios; eu sei que às vezes é difícil, para quem vem de fora. Vou mudar isso: vou criar um ministério da desburocratização. Capitalistas do mundo: vocês não têm nada a perder, venham ao Brasil, agora!
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