Perdido o primeiro semestre, o governo terá de rezar com muito fervor para fechar o ano com o mísero crescimento econômico previsto há dois meses pelo Banco Central (BC), 1,6%. No setor privado as apostas há muito tempo estão abaixo desse número. No dia 8 a mediana das projeções do mercado, coletadas entre instituições financeiras e consultorias, já estava em 0,81%. Quatro semanas antes havia chegado a 1,05%. Só no fim do mês o IBGE divulgará os novos números do produto interno bruto (PIB) e mostrará, de acordo com os padrões oficiais, o tamanho do desastre nos primeiros seis meses. Por enquanto, a informação mais aproximada é o Índice de Atividade Econômica do Banco Central (IBC-Br). Publicados na sexta-feira, os dados mostraram queda mensal de 1,48% em junho e crescimento de apenas 0,08% no semestre. Esses números são da série depurada de efeitos sazonais.
A Copa das Copas tem sido usada como desculpa, ou meia explicação, para o emperramento da atividade em junho: menos dias de trabalho, adiamento de compras e coisas parecidas. Mas a Copa das Copas, também anunciada como a melhor de todos os tempos, durou umas quatro semanas. A economia, no entanto, foi mal durante seis meses – sem contar, é claro, o período entre o começo de 2011 e o fim de 2013. A presidente Dilma Rousseff e sua equipe cuidaram de manter em 2014 um desempenho econômico à altura dos três anos anteriores. Não tomaram, pelo menos até agora, uma única e solitária medida para renegar o padrão. Seu sucesso é confirmado pelos principais indicadores – contas públicas em frangalhos, inflação ainda ameaçadora, investimento baixo e balanço de pagamentos esburacado.
O baixo investimento é explicável tanto pela má condução dos programas oficiais quanto pela desconfiança dos dirigentes da indústria. Muitos podem até apoiar politicamente o governo e aplaudir o protecionismo e os favores setoriais, mas aplicar dinheiro em máquinas, equipamentos e instalações é outra história. A produção de bens de capital no primeiro semestre foi 8,3% menor que a de um ano antes, segundo o IBGE. Os empresários terão substituído máquinas e equipamentos nacionais por estrangeiros? Nem isso. O valor gasto com a importação desse tipo de produto, entre janeiro e julho, foi 6% menor que nos sete meses correspondentes de 2013, pela média diária.
Apesar disso, fabricantes estrangeiros de bens de capital até podem ter ocupado uma parcela maior do mercado interno. Mas, no balanço geral, tudo indica, por enquanto, um corte do investimento em bens de produção. A pior situação, de toda forma, é a dos produtores nacionais, pressionados pela combinação de procura em queda e custos em alta. Com dificuldades para competir no mercado externo, têm de enfrentar, ainda, a retração dos compradores nacionais.
Na maior parte dos últimos seis anos, desde o começo da recessão internacional, o governo brasileiro alardeou o vigor e a dimensão do mercado interno como fator de segurança contra a crise. A insistência nos estímulos ao consumo foi uma consequência dessa concepção – e da percepção errada, naturalmente, do problema e das soluções possíveis.
Se a presidente e sua equipe fossem mais atentas aos fatos, teriam percebido há muito tempo os erros de sua estratégia. Apesar dos incentivos fiscais a alguns setores, da expansão do crédito e da elevação da renda dos consumidores, a indústria brasileira teve um desempenho muito fraco durante os últimos anos. Alguns setores mais beneficiados pelos incentivos conseguiram boas vendas e lucros, durante algum tempo, porém nem esses aproveitaram as vantagens para ganhar poder de competição. Mas até a mágica do mercado interno parece estar acabando, como indicam os últimos números do comércio varejista. De janeiro a junho, as vendas foram 4,2% maiores que as do primeiro semestre do ano anterior, sem contar veículos, componentes e material de construção. Com a inclusão desses itens, a diferença fica em apenas 0,1%.
O mercado interno está sendo incapaz de acompanhar a produção de automóveis, disse na quarta-feira o vice-presidente da associação nacional das montadoras, Antônio Carlos Botelho Megale. A solução, segundo ele, é exportar mais. Outros segmentos mal acompanharam – ou nem acompanharam – a expansão da procura, nos últimos anos, como indica o aumento de importações. Todos estariam agora em melhor situação, e com melhores perspectivas, se houvessem cuidado mais do poder de competição e da ocupação de espaços dentro e fora do país.
Para exportar a indústria automobilística depende amplamente do mercado argentino, estagnado e protegido. A maior parte das indústrias, com algumas exceções notáveis, acostumou-se a exportar principalmente para os vizinhos. Agora nem esse mercado é garantido, por causa da invasão da turma da Ásia. Até no Mercosul esses competidores têm deslocado os brasileiros. Mas a concorrência vem também de economias desenvolvidas, facilitada pelos acordos comerciais dos latino-americanos com as potências da América do Norte e da Europa.
Esnobar o mundo rico foi uma das espertezas da diplomacia comercial brasileira a partir de 2003. Boa parte da indústria aceitou esse jogo e se acomodou como fornecedora de países da vizinhança. Alguns exportadores continuaram batalhando pelos mercados da Europa e dos Estados Unidos. Mas tiveram problemas crescentes de competitividade. O ambiente de ineficiência – tributação irracional, logística ruim, inflação elevada, intervencionismo desastrado, etc. – prejudicou também as empresas bem organizadas e equipadas. Nos últimos 12 anos o país foi orientado para jogar na segunda ou na terceira divisão. Falta explicar esse detalhe ao resto do mundo e pedir compreensão.
Fonte: O Estado de S.Paulo, 16/08/2014.
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