O filósofo Marco Túlio Cícero disse, 55 anos antes de Cristo, que “o orçamento nacional deve ser equilibrado e as dívidas públicas devem ser reduzidas…”. O pensamento volta à tona por ocasião do fechamento, meio Mandrake, das contas públicas de 2012. Para quem não se recorda, Mandrake, o mágico, é um personagem de história em quadrinhos que ostentava uma capa vermelha e se valia de uma técnica de hipnose instantânea. Quando preciso, transformava ameaças em flores.
No caso da política fiscal brasileira, o truque é outro. Quando conveniente, o governo faz dinheiro aparecer. De forma simplificada, o Tesouro se endivida, envia o dinheiro para os bancos públicos e, depois, extrai deles recursos antecipados, justificando serem dividendos de balanços que nem sequer foram fechados. Os recursos são registrados como arrecadação e o governo passa a ilusão de que “cumpriu a meta” que havia estabelecido para o superávit primário. Algo como uma “corrente da felicidade” em que a dívida é empurrada para terceiros.
De fato, acompanhar a execução fiscal e orçamentária da União está se tornando mais difícil a cada dia. Em 2013,por exemplo, são, no mínimo, “três orçamentos”. O primeiro é o Orçamento-Geral da União (OGU), que ninguém sabe exatamente quando será aprovado no Congresso Nacional. O segundo é proveniente dos R$ 42,5 bilhões de uma medida provisória editada no apagar das luzes do ano passado. E o terceiro resulta de aproximadamente R$ 175 bilhões de restos a pagar.
Quanto ao OGU, é otimista a expectativa de que seja aprovado nos primeiros dias de fevereiro. Afinal, assim que o Legislativo reiniciar suas atividades, haverá eleições internas. Além disso, serão retomadas as discussões sobre os 3 mil vetos, a distribuição dos royalties e a cassação, pelo Supremo Tribunal Federal, dos mandatos dos três deputados condenados no mensalão. Independentemente da data de aprovação, a verdade é que houve grande retrocesso na transparência do Orçamento de 2013, pela redução do detalhamento das informações e o “esvaziamento do significado das ações orçamentárias”, já que os títulos perderam” conteúdo e força descritiva”, como concluiu nota técnica conjuntadas consultorias de orçamento da Câmara e do Senado.
Também é notório que diversas iniciativas governamentais, como Brasil sem Miséria, Brasil Carinhoso, Mais Educação, Saúde da Família, Rede Cegonha, Brasil Sorridente, entre outros “nomes fantasia”, não estão discriminadas no Orçamento, o que impede o seu acompanhamento pela sociedade.
O “segundo orçamento” decorre da Medida Provisória 598, publicada no Diário Oficial da União em 27/12/2012, que abriu créditos extraordinários de R$ 42,5 bilhões. Na prática, remanejou recursos, anulando e criando dotações, principalmente nas estatais, atropelando as prerrogativas do Legislativo – a quem compete aprovar o Orçamento. O curioso é que o artigo 167 da Constituição Federal restringe a abertura de crédito extraordinário a despesas imprevisíveis e urgentes, como as de correntes de guerra, comoção interna ou calamidade. Convenhamos, não é o caso.
O terceiro orçamento a ser monitorado é o dos R$ 175 bilhões de “restos a pagar”. A situação chega a ser esdrúxula. Em 2012,considerados os investimentos da administração direta da União (excluídas as estatais), os valores pagos como Orçamento do exercício somaram R$ 21,6 bilhões, enquanto os restos a pagar pagos totalizaram R$ 25,3 bilhões. Assim, o total desembolsado em 2012 (Orçamento do ano + restos a pagar pagos) foi de R$ 46,9 bilhões.Paradoxalmente, teremos cerca de R$ 71,8 bilhões de restos a pagar de investimentos inscritos/reinscritos para 2013.
A estimativa é de que sejam também transferidos para 2013 cerca de R$ 77 bilhões de restos a pagar de “outras despesas correntes” e aproximadamente R$ 23 bilhões de “inversões financeiras”. O “estoque” global de restos a pagar só não chegará aos R$ 200 bilhões porque o governo, nos primeiros dias deste ano,anulou empenhos, sobretudo de “outras despesas correntes”,reduzindo a bolada de anos anteriores transferida para 2013. Se já não bastasse a”contabilidade criativa”, há, ainda, a “contabilidade retroativa”.
Desta forma, o Orçamento é administrado pelo retrovisor. O Legislativo a provará o de 2013, mas o Executivo tocará, prioritariamente, as pendências de anos anteriores. Como não há dinheiro suficiente para ambos, os gestores continuarão a viver a “escolha de Sofia”. Se for muito urgente, quitamos restos a pagar. Se for politicamente interessante, tocam as novas iniciativas.
Com essas práticas o governo fere diversos princípios orçamentários clássicos, como os da prévia autorização, anualidade, clareza, especificação e publicidade. Esse conjunto de proposições orientadoras deve balizar os processos orçamentários com o objetivo de dar-lhes estabilidade e consistência, sobretudo no que se refere à sua transparência e ao seu controle pelo Legislativo e pelas demais instituições da sociedade.
Diante desta “babelorçamentária” e de tantas maquiagens, o governo corre o risco de transformar em pó a credibilidade da execução orçamentária e da política fiscal. Como aconselhava Cícero há 2 mil anos, as contas públicas precisam ser equilibradas e o endividamento, contido. De preferência, sem mágicas e abracadabras.
Fonte: O Estado de S. Paulo, 21/01/2013
No Comment! Be the first one.