Mais de mil municípios brasileiros não deveriam existir. Embora mais ricos do que a média nacional, todos sobrevivem de mesada e têm menos de 5 mil habitantes. Foram criados por questões políticas. A PEC do Pacto Federativo visa resolver essas distorções e cortar gastos com uma máquina pública dispensável. Ela cria, além do mais, novos critérios para a emancipação municipal, inibindo a criação de prefeituras cujo único sentido é atender aos interesses políticos locais.
Em menos de um mês, o Brasil vai eleger mais de 5,5 mil prefeitos e 55 mil vereadores. Mas, daqui a quatro anos, caso seja aprovada uma nova legislação que dê fim à boa parte das municipalidades inviáveis do ponto de vista financeiro, um quinto dessas prefeituras deixará de existir – e com elas mais de 30 mil cargos públicos. Seria uma ótima notícia, favorável à boa governança na gestão pública e capaz de propiciar uma economia considerável de recursos.
A revisão do número atual de municípios é um dos pontos da PEC do Pacto Federativo (PEC 188/2019). Essa Proposta de Emenda Constitucional, que se encontra em tramitação no Congresso, traz medidas para desafogar os orçamentos de Estados e municípios. O projeto trata, por exemplo, da desvinculação das despesas obrigatórias e da desindexação de reajustes salariais.
O texto propõe também extinguir municípios que tenham menos de 5.000 habitantes e cuja arrecadação de impostos próprios seja inferior a 10% da receita total. São micromunicípios que nunca deveriam ter ganhado autonomia. Altamente dependentes dos repasses dos Estados e da União, são incapazes de organizar e executar políticas públicas. Foram criados simplesmente por questões políticas.
Multiplicação dos micromunicípios
Desde 1990, foram criados 1.079 municípios, ampliando em 24% o número total de cidades brasileiras. Se, em 1991, 16% das cidades brasileiras possuíam até 5.000 habitantes, em 2010, 23% apresentavam uma população desse tamanho.
Um dos principais incentivos à multiplicação dos micromunicípios foi o interesse em controlar recursos do Fundo de Participação dos Municípios (FPM), que reserva parcelas proporcionalmente maiores aos municípios mais acanhados. A ideia, a menos nas justificativas oficiais, era incentivar o desenvolvimento dessas pequenas cidades. Na prática, os recursos transferidos são drenados por uma burocracia inoperante.
Tome-se o exemplo de Serra da Saudade, em Minas Gerais, cuja população conta apenas 800 almas. No ano passado, a cidade recebeu R$ 10.000 por habitante a título de sua cota no FPM. Qual o sentido de despejar esses recursos para bancar os salários de prefeitos, vice-prefeitos, secretários e vereadores que, às vezes, nem residem na própria cidade?
Em 2019, o FPM transferiu R$ 93,4 bilhões. Desse total, 37% ficaram com municípios que possuem 15% da população brasileira e 18% ficaram com municípios onde vivem 26% dos habitantes do país.
A iniquidade no sistema de transferência fica ainda mais evidente quando se compara o valor do FPM per capita recebido pelos municípios. Os micromunicípios apresentam uma média anual quase três vezes maior que a dos municípios com populações entre 10.000 e 20.000 habitantes.
Essa distorção no sistema de repartição do FPM faz com que os micromunicípios, que possuem receitas bem maiores que as dos pequenos e médios, recebam uma parcela das transferências muito superior. A receita corrente líquida (RCL) per capita dos municípios com até 5.000 habitantes supera em mais de R$ 1.000 a média brasileira.
RCL per capita
Os municípios com até 5 mil habitantes possuem uma RCL per capita média de mais de R$ 5 mil. Por outro lado, os municípios com populações entre 20 a 50 mil habitantes possuem uma RCL per capita média de menos de R$ 3 mil.
Para acentuar ainda mais a contradição, os pequenos e médios municípios são, no geral, mais pobres que os micromunicípios, de acordo com as últimas informações disponíveis.
Os micromunicípios abrigam 2% da população brasileira, possuem receitas per capita muito maiores que a média nacional, são mais ricos que os pequenos e médios municípios, mas têm baixíssima capacidade de se auto-sustentar, ou seja, sobrevivem de mesadas do país. São municípios que não têm condição de andar com as próprias pernas, dependendo de repasses da União e dos Estados. Praticamente 7 a cada 10 municípios com até 5.000 habitantes têm mais de 50% de suas receitas compostas por repasses do FPM.
Esses municípios altamente dependentes geram gastos com burocracias desnecessárias, que atendem a pouquíssimos cidadãos.
Benefícios da PEC 188
A PEC do Pacto Federativo visa resolver essas distorções e cortar gastos com uma máquina pública dispensável. Ela cria, além do mais, novos critérios para a emancipação municipal, inibindo a criação de prefeituras cujo único sentido é atender aos interesses políticos locais.
Segundo a Confederação Nacional de Municípios (CNM), se forem seguidos os parâmetros da PEC, um total de 1.217 municípios poderão deixar de existir.
População e Municípios afetados pela PEC 188
Levando em consideração os 1217 municípios que se enquadram nas regras da PEC, apenas 1,8% da população brasileira seria afetada. Em troca, o país deixaria de arcar com os custos da máquina pública de quase 22% dos municípios.
Considerando esses 1.217 municípios, mas de 30 mil cargos deverão ser eliminados por causa da nova regra.
A máquina pública brasileira agigantou-se e precisa passar por uma dieta severa. Toda a sua estrutura precisa ser revista e modernizada. Daí a importância de projetos como a reforma administrativa e a PEC do Pacto Federativo. O que está em jogo é a solvência do Estado brasileiro e, também, a sua capacidade de realizar políticas públicas que de fato causem impacto transformador na vida das pessoas mais necessitadas. Os micromunicípios custam caro e pouco ajudam no desenvolvimento. Servem somente aos interesses políticos dos coronéis locais. Já passou da hora de serem extintos.
Fonte: “Virtu”, 06/11/2020
Foto: Reprodução