Os militares respondem por quase metade do déficit da previdência da União, embora representem um terço dos servidores. Cálculos feitos pelo ex-secretário da previdência e consultor de Orçamento da Câmara dos Deputados Leonardo Rolim mostram que, em 2015, o déficit dos militares era de R$ 32,5 bilhões, ou 44,8% do rombo de R$ 72,5 bilhões da previdência da União, enquanto o déficit dos civis era de R$ 40 bilhões. Só que o número de militares no país — na ativa, na reserva e já reformados — é de 662 mil ou apenas 30% do total de 1,536 milhão de servidores.
As contas de Rolim consideram como aposentados os militares que estão na reserva e os reformados. Os militares, no entanto, só incluem pensionistas e reformados no cálculo pois argumentam que quem está na reserva pode ser chamado para trabalhar.
Pelas projeções, o déficit dos militares aumentará lentamente ao longo das próximas décadas, até 2090, enquanto o dos civis crescerá fortemente nos próximos anos mas, a partir de 2040, começará a cair. O desempenho é reflexo das mudanças que já foram feitas nas regras de aposentadorias para servidores civis: aqueles que entraram depois de 2003 não se aposentam mais com 100% do salário final — mas com 80% da média dos últimos dez anos — e os servidores também têm idade mínima de aposentadoria, de 55 anos (mulheres) e 60 anos (homens).
Já os militares viram acabar a pensão para as filhas solteiras — no caso dos que ingressaram na carreira após 2001 — mas não têm idade mínima de aposentadoria e vão para a reserva com 30 anos de contribuição. Além disso, a contribuição previdenciária dos militares é de apenas 7,5% do salário bruto, contra 11% dos civis.
— Os militares se aposentam pelo salário final e, em alguns casos, ainda ganham uma patente quando vão para a reserva. Com isso, o inativo militar ganha muito mais do que aquele na ativa. Isso torna a previdência dos militares uma bomba — afirma Leonardo Rolim.
Há várias questões em jogo: a necessidade de preparo físico é uma explicação, na visão dos militares, para não concordarem com a exigência de uma idade mínima. Outro aspecto é o salário menor que o de outras carreiras públicas. E os números comprovam isso: a média é de R$ 6.056, enquanto no Executivo é de R$ 8.401; no Legislativo, de R$ 18.991; e no Judiciário, de R$ 19.101.
Mais patentes para alongar
Já na reserva, o fuzileiro naval Moisés Queiroz diz reconhecer a gravidade da situação da previdência e se mostra aberto a possíveis mudanças, como o aumento da alíquota de contribuição para a previdência, de 7,5% para 11%. Mas é contra o aumento da idade mínima para aposentadoria. Hoje com 52 anos, foi para a reserva assim que completou 30 anos de serviço e trabalha como consultor. Ele lembra, no entanto, que, mesmo na reserva, o militar pode ser convocado a trabalhar, como ocorreu recentemente na Olimpíada. E argumenta que o militar não pode trabalhar por mais tempo porque dele é exigido um preparo físico que se torna mais difícil de ser mantido depois desses 30 anos.
— É difícil falar sobre o que não se sabe direito que pode ocorrer, mas é preciso um tratamento diferente para quem não é igual. Os 30 anos de serviço do militar correspondem a 45 anos de serviço dos demais, se somados todos os períodos a mais que trabalhamos — diz Queiroz.
Para o professor da Universidade Candido Mendes e especialista em previdência Paulo Tafner, no entanto, o argumento do preparo físico não pode ser usado. Ele reconhece que um sargento não pode ter a mesma função física que tinha aos 30 anos, por exemplo, mas que é possível se manter ativo em outras atividades, como treinamento e coordenação. Por isso, destaca a importância de mudanças na carreira militar para permitir que eles trabalhem por mais tempo.
— A carreira dos militares vem de um período em que havia muitas guerras e as pessoas morriam cedo. É preciso ter um entendimento de que é necessário ficar mais tempo na ativa. Por isso, é preciso mudar a carreira militar — afirma Tafner, que sugere, por exemplo, a inclusão de uma ou duas patentes, de maneira a permitir o alongamento da carreira militar.
Sobre a questão dos salários, Rolim admite que o rendimento dos militares é menor, mas defende que a defasagem salarial não deve ser resolvida pela previdência:
— As pessoas ainda têm a visão no Brasil de que a aposentadoria é um prêmio. Aposentadoria não é prêmio para justificar baixo salário ou trabalho mais duro.
Entre especialistas, há quem defenda a manutenção de um regime diferenciado de previdência, mas que possa se aproximar dos demais trabalhadores, como mais anos de serviço. Enquanto outros são a favor de um regime único de previdência, que reúna trabalhadores do setor privado e servidores públicos civis e militares.
— Os privilégios não são exclusividade dos militares, também se mostram entre outros servidores, juízes… Há particularidades da carreira militar que justificam diferenças na previdência, o regime diferenciado não é exclusividade do Brasil. Mas é preciso fazer ajustes, é preciso um regime mais adequado à realidade — afirma Paulo Tafner.
Helio Zylberstajn, professor da FEA/USP, é a favor de um regime único, e que militares tenham a mesma idade mínima de aposentadoria que os civis, de 65 anos. Se a questão da saúde é um problema, ele sugere que os militares possam trabalhar até mesmo em outras áreas, como os civis, para conseguirem chegar aos 65 anos:
— Os militares são parte do problema da previdência e devem entrar na reforma.
Segundo militares, o clima é de preocupação nas tropas. O fuzileiro naval José Bonifácio Bezerra Junior, com 45 anos e 28 anos e seis meses de serviço militar, diz que há muitas dúvidas sobre o que está em jogo e condena qualquer mudança nas regras de aposentadoria da categoria. Ele lembra que o militar deve estar disponível para viajar o tempo todo e não tem direito a hora extra. Também não pode decretar greve.
— Temos que estar sempre disponíveis, trabalhamos sem qualquer direito a hora extra. O governo deve pensar em outros instrumentos, como cortar secretarias, para resolver a questão da previdência. O dinheiro está sendo mal administrado, o problema é de administração dos recursos públicos — afirma Bezerra Junior.
Sem hora extra e adicional noturno
Procurado, o Ministério da Defesa afirma que “os militares das Forças Armadas já contribuíram de forma significativa com a redução das despesas com pessoal ao longo dos anos. A reforma de 2001 pôs fim a uma série de direitos dos militares, dentre os quais o adicional de tempo de serviço, a licença especial, o auxílio-moradia e a pensão para filhas. Com isso, o país registra desde então redução progressiva nos custos com inativos e pensionistas”.
Segundo as contas do ministério, a parcela do PIB (Produto Interno Bruto) gasto com o sistema de proteção social dos militares deve cair de 0,56% em 2016 para 0,42% em 2024 e 0,33% em 2028. “Dessa forma, é incorreto afirmar que exista um déficit na previdência dos militares”, diz o ministério em comunicado.
O Ministério da Defesa afirma ainda que as Forças Armadas são usadas em ações subsidiárias, cujo custo seria elevado para a União, caso os militares tivessem direito a receber horas extras e adicional noturno, citando eleições, eventos esportivos de 2014 e 2016, apoio em desastres naturais e “a garantia da lei e da ordem em alguns estados da Federação e outras atividades imprescindíveis para o país”.
Segundo a nota, o “Ministério da Defesa e as Forças Armadas compreendem a preocupação do governo em reduzir o déficit previdenciário. No entanto, é preciso levar em conta que as peculiaridades da carreira militar demandam um tratamento distinto em relação aos servidores civis”.
Fonte: “O Globo”.
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