Para você que nos acompanha, já falamos – tanto no Millenium Analisa, quanto no Millenium Explica – sobre como os brasileiros pagam, em proporção do PIB, mais impostos do que paga um morador de outro país que está no mesmo patamar de desenvolvimento que o nosso. O Brasil ainda é um país pobre, os cidadãos têm uma renda per capita relativamente baixa, mas, apesar disso, é um país que tributa e gasta a um patamar semelhante, ou até maior, do que tributam os países ricos de seus cidadãos.
Ora, não é difícil perceber os motivos que justificam o direito de saber como os governos lidam com o nosso dinheiro. Afinal, o setor público sobrevive apenas e tão somente do dinheiro do pagador de impostos. Na verdade, dificilmente você encontrará um discurso de uma autoridade pública (ou de um político) que discorde da importância da transparência para a cidadania e para democracia.
No entanto, o problema é que, na prática, esse consenso, algumas vezes, não vai muito além do discurso. Digo isso porque o cidadão que tenta acessar dados sobre determinados gastos públicos, nem sempre encontra essas informações de modo organizado e acessível. Podemos dizer que, dependendo do caso, o cidadão sequer vai encontrar a informação buscada, apesar de a publicidade dos gastos públicos ser uma obrigação legal (Lei n° 6.924) da União, Estados e municípios e ser um princípio basilar da Administração Pública, versado no Artigo 37, da Constituição Federal.
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A Justiça e a prerrogativa
No Estado de São Paulo, por exemplo, o Tribunal de Justiça baixou uma norma que atualiza sua Política de Segurança da Informação (PSI), alegando que algumas informações do órgão passariam a ser consideradas “patrimônio” ou “ativo” daquele órgão e que deveriam, portanto, ser “protegidas” do público, com a possibilidade de punição criminal, civil e administrativa de seus funcionários que descumprissem essa determinação.
Enfim, agora, sob a guarda do TJ, estão os dados relativos aos processos e, também, as informações detalhadas sobre os gastos de magistrados, assim como os custos, em geral, do Judiciário paulista; além de documentos sobre decisões internas da administração do Tribunal.
Por mais que os responsáveis pela decisão digam que não há diretriz ideológica ou censura e que a norma esteja embasada na Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), o ponto é que, ao tratar dessas informações como se as mesmas pertencessem, apenas, ao órgão público que as detêm, o Tribunal age como se tais dados não mais fossem, de fato, bens públicos, algo que não faz o menor sentido porque o Estado é apenas o guardião, e não o dono da informação, como bem disseram, à imprensa, diversos especialistas e estudiosos sobre o tema.
Além disso, essa decisão surgiu em meio a polêmicas relacionadas à transparência dos gastos deste mesmo TJ: em junho, investigações revelaram que, de forma oculta, o Tribunal de Justiça tem usado uma verba reservada a situações urgentes e imprevisíveis para comprar petiscos como queijo Maasdam holandês (R$ 67,90 o quilo), frutas como kiwi gold (R$ 59,99 o quilo) e salame hamburguês Di Callani (R$ 60,25 o quilo) aos desembargadores. Ou seja, a afirmativa de que a decisão tenha sido por uma questão de segurança, cai por terra.
Militares
Outro exemplo de problemas com o acesso à informação está na publicidade dos pagamentos feitos a militares da reserva e aos pensionistas deste segmento. Embora haja uma determinação do Tribunal de Contas da União (desde setembro de 2019) para que os dados desses pagamentos fossem disponibilizados para consulta pública no portal da transparência, até agora isso não ocorreu.
Atualmente não é possível saber o quanto ganham os aposentados das Forças Armadas ou qual o valor de algumas pensões de filhas solteiras de militares, por exemplo. Isso porque a Lei de Acesso à Informação faz referência, apenas, aos funcionários da ativa. O que sabemos é que, de acordo com o Ministro Walton Alencar, do TCU, entre 2011 e 2016, foram gastos cerca de R$ 494,6 bilhões com recursos destinados a servidores aposentados, militares da reserva, reformados e recebedores de pensão.
Vale lembrar que os militares também ficaram de fora da Reforma Administrativa, assim como, apesar do alto custo previdenciário, são uma categoria cuja reforma previdenciária não exige idade mínima para um militar se aposentar.
Estados
A transparência dos gastos tornou-se um tema central nesta época de pandemia. O tema fez a ONG Transparência Internacional preparar, desde maio, um Ranking que analisou a publicidade dos gastos dos estados no combate à Covid-19, atribuindo uma nota para o grau de transparência de cada Estado.
Nesse levantamento, Alagoas, Ceará, Espírito Santo e Rondônia, por exemplo, estão empatados na primeira posição, obtendo pontuação máxima, enquanto os Estados do Acre e do Piauí figuram nas piores posições.
Além desses, quinze Estados receberam 80 pontos ou mais na avaliação da ONG, lhes conferindo a classificação de “ótima” em sua transparência nos gastos da pandemia. E cinco estão classificados como “bom” (Pará, Roraima, Santa Catarina, Sergipe e Rio de Janeiro). O Estado do Rio de Janeiro – cujo governador Wilson Witzel foi afastado por investigações de irregularidades em serviços de saúde – acabou se mantendo nesta classificação do Ranking por dois pontos.
Conclusões
É possível concluir que a falta de transparência anda de mãos dadas com os privilégios e com a confusão proposital entre o público e o privado, por isso é preciso ficarmos vigilantes.
Vale ressaltar que a transparência dos gastos públicos é um pilar fundamental da democracia, uma vez que quanto maior é o acesso à informação de forma detalhada sobre como o Poder Público lida com o dinheiro do pagador de impostos, no caso o seu dinheiro, caro leitor, maior será a chance da preservação do Estado de Direito, aquele cujo império das leis vale, rigorosamente, para todos, inclusive, para os nossos representantes que estão no poder.
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Por isso, temos que cobrar e monitorar o acesso a todas às informações que sejam públicas, pois a transparência é um dos mais importantes instrumentos de fiscalização e de combate à corrupção na atualidade.