Além de todos os novos desafios que o mundo está enfrentando pela sobrevivência nesta pandemia do coronavírus, temos também a dificuldade de consumir informações confiáveis. Um levantamento da comunidade online Avaaz indica que 94% dos brasileiros entrevistados tiveram acesso a, pelo menos, uma notícia falsa sobre o novo coronavírus desde o início da epidemia e que 7 a cada 10 acreditaram em, no mínimo, um conteúdo falso sobre a covid-19 nos últimos meses.
Pode ser que o anseio social pela cura da doença e o medo dela sejam paralisantes e facilitem o consumo de informações incorretas sobre o tema. Analisamos, rapidamente, uma amostra com cinco mil tweets (85 mil palavras) sobre a Covid-19, em português, coletada no dia 03/01/2021, e nela percebemos que o termo “cura” está positivamente correlacionado, em 58%, ao termo “fake” e, também, ao site “boatos.org”, que trata de “Fakenews” sobre diversos assuntos em postagens. Ou seja, nesta amostra, quando se falou sobre a cura para a Covid-19 tendeu-se, na maior parte das vezes, a tratar de alguma informação relacionada a conteúdo falso, que seja para desvendar quem cometeu o erro.
Em casos mais extremos como no Irã, por exemplo, a crença de que a ingestão de metanol, álcool altamente tóxico, seria medida preventiva contra o vírus, matou mais de 700 pessoas por envenenamento, de acordo com o Ministério da Saúde Iraniano.
O próprio The American Journal of Tropical Medicine and Hygiene também estima que mortes tenham sido causadas pela desinformação por supostas curas da Covid-19 em diversos países. O termo utilizado por eles para designar informações falsas sobre a pandemia foi cunhado pelo acrônimo de informação e pandemia: “Infodemia”, acolhido pela própria OMS.
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Muito além do trivial
Bom, apesar de o leitor(a) do Millenium Fiscaliza saber que essa enxurrada de conteúdo que está disponível nos últimos anos, pela internet, aumentou a necessidade de melhorar a nossa capacidade de filtragem sobre o que é verdade ou mentira… no caso da Covid-19 essa tarefa é um pouco mais complicada do que o habitual, pois não se trata apenas de saber que, apesar de ter repercutido na internet, o “chá de erva-doce”; o “alho, gengibre e outros fitoterápicos”; e/ou o “gargarejo com sal e vinagre”, não são formas de prevenção da Covid-19. É mais do que isso. Estamos falando de saber que o contexto de uma informação pode determinar sua veracidade. Ou, até mesmo, que um conteúdo falso pode estar composto de uma informação verdadeira, ainda que seja parcialmente verdadeira.
Por exemplo, algumas pessoas que subestimaram o tamanho do problema, no início da pandemia, erraram, mas estavam embasadas em uma informação correta: a baixa letalidade causada pelo vírus. Os que não perceberam, desde o início, a importância da “taxa de contágio” (como já falado em edições do Millenium Explica) não previram que, em poucos meses, o vírus iria infectar dezenas de milhões de pessoas (85.653.549, John Hopkins University) e que, portanto, 1,8 milhão de pessoas (1.853.725, John Hopkins University) faleceram desta peste até a data atual. A própria estimativa de qual é a taxa de letalidade é complicada, pois, não se sabe ao certo quantos tiveram contato com o vírus de forma assintomática e estão de fora das estatísticas.
Como pessoas e governos, no mundo todo, foram obrigados a tomar decisões, antes mesmo de terem acesso às informações que seriam fundamentais para tais decisões, até a falta de atenção ou um equívoco de menor grau podem ter tido um alto custo, para muitas vidas e empregos.
A força da incerteza
Questões como: tenho a certeza de como agir para não propagar o vírus? Tenho a certeza sobre qual remédio é eficaz para evitar a evolução da doença em um infectado? Essas são as respostas que nós, seres humanos, buscamos com frequência. Queremos, a todo instante, respostas prontas e ter a certeza de que estaremos isentos do pior. E é aí que mora o perigo, que pode nos guiar ou induzir ao erro, pois a ciência a grosso modo não é baseada em certezas, mas sim, feita através da busca por minimizar a incerteza… e a percepção sobre isso faz toda a diferença.
Vamos pegar um exemplo polêmico e muito falado nesta pandemia: ao se discutir sobre a eficácia da hidroxicloroquina deparou-se, publicamente, com a informação de que “o medicamento não possui comprovação científica para o combate à covid”. Essa informação denota que essa droga não funciona para tal finalidade? Logo, em nome da ciência, uma médica, como Nise Yamaguchi, que defende o uso merece ser “cancelada”? As respostas são: não! E não!
A incerteza sobre sua eficácia não quer dizer certeza de que o medicamento não funciona. Ela diz, apenas, que “não se sabe” e ponto. Este cuidado é fundamental. No mundo científico, a negação sobre algo, não quer dizer, necessariamente, a alegação sobre seu oposto.
Cancelamento, o inimigo da ciência
Já, no caso dos rótulos e cancelamentos, não há nada mais anticientífico do que crer em “consenso científico” e, a partir disso, cercear um pesquisador de um debate. Ainda que se prove, depois, que ele estava errado e que sua hipótese não tem fundamento, se ele agiu de boa-fé, certamente, contribuiu para que a humanidade avançasse. Claro que, como o objetivo é evitar incorrermos em erros, é preciso filtrar, também, se o debatedor é um pesquisador da área ou se é um político ou alguém que fala por holofotes.
Não se pode dar o mesmo peso ao pesquisador isento e a um produtor de conteúdo que tenha interesses particulares evidentes para tratar publicamente do assunto. O fato é que, ao rotular posicionamentos dos outros como anticientíficos, vale se questionar se a base do rótulo não é a simpatia ou antipatia pelo político ou figura pública que adotou determinada posição. Se for o caso, pode ter certeza de se tratar de vários assuntos, mas não de ciência.
Na ciência é arriscado dizer que “o inimigo do meu inimigo é meu amigo”, pois a pessoa que você desgosta e as pessoas que você adora podem estar completamente erradas juntas.
Cada um no seu lugar
Para finalizar, cito o exemplo de um vlogueiro, agora famoso, que ao tentar comunicar um estudo do Imperial College, de forma mais simples a um grande público, fez com que muitos entendessem que a estimativa de mortos para o Brasil, feita pela universidade em determinado cenário, fosse quase que determinística para o país naquela fase. Previsão que, obviamente, nem de longe se confirmou, já que o próprio estudo mencionava que, naquele momento, a qualidade das bases de dados era empecilho e, claro que isso poderia trazer modificações significativas às estimativas. O erro pode não ser do estudo, mas sim de quem não sabe lê-lo e entender suas limitações. Um modelo matemático é uma simplificação da realidade. Tentar utilizá-lo para uma resposta que ele não concebeu, é algo que, certamente, vai dar errado.
Ao fiscalizarmos a veracidade de uma informação, vale o alerta de olharmos se o pesquisador ou debatedor do assunto está, de fato, ligado ao campo de estudo de sua fala ou se aquele tema, em específico, pertence a um subtema que exige maior especialização para tratá-lo. Por mais que a estatística esteja muito presente na biologia e na medicina, por exemplo, nem sempre profissionais da saúde terão condições de antever próximas fases de uma epidemia, pois a análise preditiva e as probabilidades são campos de estudo dos estatísticos, matemáticos, ou até mesmo, físicos.
Assim como um estatístico precisará da parceria ou de muito conhecimento na área da saúde para analisar, assertivamente, informações sobre uma pandemia e nem mesmo com isso ele será uma boa fonte para um diagnóstico. São áreas que podem ser complementares, mas que são distintas.
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Conclusões
Enfim, não é possível esgotar esse tema em um único texto, voltaremos a ele em outras oportunidades. Mas o recado que fica é que evitar ser manipulado ou se automanipular com informações sobre a pandemia, ou sobre a ciência em geral, não é tarefa nada trivial e nenhuma fonte estará isenta de erros. Porém, o exercício constante da desconfiança e o questionamento sobre qual é o sentido prático daquela informação já são ótimos passos que representam um bom começo, mas apenas se você questionar sem medo de afrontar a sua própria zona de conforto— pois buscar informações que, apenas, confirmem a sua visão de mundo, também, o fará refém de informações falsas ou parcialmente verdadeiras e pior: acreditando que é mais do que os outros, se enganando. Evite alarmismos, rótulos, passionalidades e preferências políticas … tudo isso também vai ajudar, e muito, a busca pelo “errar menos” em termos de objetividade.
Muitas vezes, a resposta científica a um determinado tema, simplesmente, ainda não foi encontrada e é o que se tem até aquele momento. Aqui no site do Instituto Millenium temos a Página Cidadania que pode te ajudar na fiscalização e busca por informações. Acesse!