Todos nós estamos acompanhando a corrida mundial pela vacina há alguns meses. Além do grave problema sanitário e da crise econômica por ele ocasionada, trata-se de um problema complexo e que precisa ser resolvido em tempo recorde.
Os desafios começam desde o desenvolvimento de pesquisas científicas sobre imunizantes capazes de prevenir a infecção pelo novo Coronavírus, ou de neutralizar as graves consequências por ele causadas, até a produção em massa desses fármacos; a logística, como o armazenamento e a distribuição. Tudo isso em escala mundial.
Até a última sexta-feira (05/02/2021), o Brasil havia vacinado cerca de 1,4% de sua população, abaixo da média mundial de 1,58%. E como se não bastassem as inúmeras dificuldades neste processo, há aqueles que “jogam contra”, ou seja, que se aproveitam dessa situação para realizar fraudes e ilegalidades e, por maior atenção pública que exista para o tema, o processo de vacinação não está imune a isso.
De acordo com levantamento da Unico, empresa de tecnologia de reconhecimento facial, o número total de tentativas de fraudes no Brasil, em 2020, chegou a 371.216, um aumento de 276,8% em relação ao ano de 2019, em que foram encontradas 98.516 tentativas. Não é coincidência esse crescimento abrupto ter ocorrido durante o período em que houve maior uso de serviços online, em que as pessoas estavam em isolamento, registrando-se 1,2 tentativa de fraude por minuto em 2020.
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Suspeita de medicamentos falsos e venda ilegal
Em relação à recente vacinação, especificamente, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) emitiu comunicados, desde dezembro de 2020, alertando para a venda de vacinas falsas pela internet. Aliás, fique atento, pois, até a data atual, não existe autorização para a comercialização de vacinas! Porém, essas vendas ilegais começaram a ser registradas antes mesmo do dia 17 de janeiro, data em que a Agência aprovou o uso de alguns imunizantes em caráter emergencial.
Ou seja, mesmo antes de se atestar o uso de um imunizante, camelôs foram flagrados vendendo uma suposta vacina que seria do laboratório chinês Sinopharm (empresa ainda sem acordo fechado para produção de imunizantes no Brasil) em Madureira; no comércio de Bangu e em Alcântara, bairro do município de São Gonçalo, que fica na Região Metropolitana do Rio. Além da Anvisa, a polícia federal e a polícia civil investigam essas denúncias.
Desde novembro do ano passado, o Jornal New York Times tem relatado a existência dos “intermediários”, que cobram ilegalmente para dar o acesso a algumas vacinas que estavam em teste. No mercado negro chinês, estima-se o custo entre US$600 a US$1.500 para assegurar uma dose da vacina aos seus clientes. Até Jürgen Stock, secretário-geral da Organização Internacional de Polícia Criminal (Interpol), manifestou-se publicamente sobre o tema, para ele “enquanto os governos se preparam para distribuir as vacinas, as organizações criminosas planejam se infiltrar ou interromper as cadeias de suprimento”.
Uma pesquisa da Check Point, empresa de segurança cibernética, comparou as ofertas e os preços das vacinas vendidas ilegalmente na Dark Web entre os meses de dezembro de 2020 e janeiro de 2021. Com esse estudo foi constatado um aumento de 400% nos anúncios de venda de supostas vacinas contra a Covid-19. Os preços também apresentaram alta significativa, passando de US$250 para US$500 ou até US$1.000 por uma dose não especificada. Um dos contrabandistas, indagado pelos pesquisadores, alega ser capaz de entregar 10 mil frascos em 21 dias, o suficiente para imunizar 5 mil pessoas.
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Tão grave quanto os casos de venda ilegal ou de falsos medicamentos, é o uso de posições públicas para obtenção de privilégios privados. Sobre este tipo de crime, há investigados em onze Estados, além do Distrito Federal: Amazonas, Bahia, Ceará, Minas Gerais, Pará, Paraíba, Pernambuco, Piauí, Rio Grande do Norte, São Paulo e Sergipe.
Na cidade paraibana de Pombal, o prefeito Admel Lacerda decidiu que seria um dos primeiros a ser imunizado, alegando que, por ser médico e atender pessoas gratuitamente, faria sentido ele ser vacinado na primeira leva.
No entanto, as primeiras vacinas são destinadas apenas a profissionais da saúde que atuam na linha de frente, o que não é o caso do prefeito. No boletim epidemiológico da cidade, divulgado no dia 19 de janeiro, indicava que 5,8% da população já havia sido infectada, enquanto as vacinas que o município recebeu, nesta primeira fase, seriam suficientes para cobrir aproximadamente 1% da população local.
Algo semelhante aconteceu com o prefeito da cidade de Candiba, sudoeste da Bahia, Reginaldo Martins Prado. O Chefe do Executivo, que também não se encaixa na descrição dos grupos prioritários, fez postagem nas redes sociais de fotos dele enquanto era vacinado também no dia 19 de janeiro.
Já o prefeito Júnior de Amynthas, da cidade de Itabi, em Pernambuco, furou a fila junto de seu fotógrafo oficial e da secretária de saúde do município, Maria Nadir Ferro. Nenhum deles se encaixa no perfil que está sendo imunizado nesta fase, mas o prefeito alega ter se vacinado para “dar exemplo e incentivar mais pessoas a se imunizar”.
Em Roraima, a enfermeira Danyele Santos Negreiros, namorada do prefeito de Alto Alegre, Pedro Machado, foi nomeada secretária-adjunta de saúde seis dias antes do início da vacinação no município. Danyele também é acusada de ter furado a fila e o MP de Roraima pediu sua exoneração do cargo.
No Estado do Pará há 25 casos de vacinação indevida denunciados.
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Amazonas, um caso à parte
Além do já conhecido caso de falta de oxigênio na região, a Justiça Federal chegou a suspender, ao final de janeiro, a entrega de 132.500 doses da vacina de Oxford em parceria com AstraZeneca, exigindo que a capital amazonense, Manaus, passe a divulgar diariamente, até às 22h, a lista completa de vacinados contra a Covid-19 com nome, CPF, local da vacinação e a função exercida pelo imunizado.
Mas, da lista publicada no dia 24 de janeiro, por esta determinação da Justiça citada acima, o Tribunal de Contas do Estado de Manaus percebeu divergências nos dados informados, como nomes repetidos e CPFs errados.
Em seguida, o Ministério Público Estadual do Amazonas impetrou liminar com pedido de prisão preventiva do prefeito Davi de Almeida e da secretária municipal de Saúde, Shadia Fraxe, alegando fraude na destinação das vacinas contra a Covid-19. O MP-AM também pedia afastamento de outros 20 servidores municipais, suspeitos de participarem de um suposto esquema de privilégios na vacinação; e, também, denunciou possíveis irregularidades na contratação de 10 médicos como gerentes de projeto, que, segundo o MP, configurariam peculato e falsidade ideológica.
O Tribunal de Justiça negou a liminar, mas os casos seguem em análise, dadas as diversas denúncias de pessoas furando a fila estabelecida pelo Programa Nacional de Imunização (PNI) na cidade.
Conclusão
Enquanto vacinamos no Brasil como já citado, apenas 3 milhões de pessoas até agora (1,4% da população), em toda a Europa cerca de 3,65% dos habitantes já foram vacinados; Israel, que está em primeiro lugar nessa corrida, já conta com 62,1% de sua população imunizada, seguida pela pequena Ilha de Man, que tem 12,1% de seus habitantes vacinados. Nos EUA, cuja população é cerca de 50% maior do que a do Brasil, 11,1% de seus habitantes já haviam sido vacinados até a última sexta-feira (5).
Portanto, é importante entendermos que o país está atrasado nessa corrida pela vacinação e que há muito a ser feito. No entanto, uma das formas nas quais os cidadãos podem contribuir para adiantar esse processo, é fiscalizando e cobrando das autoridades que as regras estabelecidas sejam cumpridas.
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Se foi determinado pelo Programa Nacional de Imunização que os grupos prioritários devem ser vacinados primeiro é porque tais pessoas correm mais riscos de morte, logo, a vacinação desses grupos pode ajudar a diminuir o número de óbitos e a desafogar o sistema de saúde.
Se você vir ou presenciar suspeitas de fraudes, venda ilegal, ou de outras ilegalidades relacionadas à vacinação, não hesite, denuncie! O Ministério Público Federal tem um canal direto com os cidadãos, clique aqui e confira.
Enfim, além da questão sanitária, há uma expectativa nos mercados de que a vacinação traga maior previsibilidade econômica, possibilitando o início da retomada econômica, do emprego, da renda e do consumo. Como disse o presidente do Banco Central do Brasil, Roberto Campos Neto, recém-eleito The Banker of the Year, “a vacinação é a luz no fim do túnel”.