No mês de agosto, o Instituto Millenium realizou uma campanha para chamar a atenção da sociedade brasileira sobre uma necessidade urgente: reformar o serviço público brasileiro! Com o título “Destrava – Por uma Reforma Administrativa do bem”, mostramos que há muitas distorções que impedem um melhor atendimento ao cidadão, na ponta. E se o estudo inédito realizado em parceria com a consultoria Science Octahedron Data eXperts (ODX) já mostra como essa reforma é necessária, alguns casos pontuais chocam ainda mais e reforçam a necessidade de uma mudança profunda no país. Parece incrível, mas é verdade: quase toda a sociedade deu a sua cota de sacrifício. Mais de 10 milhões de brasileiros que trabalham em empresas privadas tiveram os salários cortados. Enquanto isso, uma pequena casta de servidores, em plena pandemia, ganhou ainda mais privilégios. É disso que o Millenium Fiscaliza deste mês trata. Acompanhe!
Para início de conversa, é preciso lembrar que os gastos com pessoal, incluindo aposentados, já estavam descontrolados. Em todo o Brasil, já é gasto 13,7% do Produto Interno Bruto (PIB) com isso. Isso é mais do que o dobro investido em educação! E isso, por óbvio, se reflete em muitos estados. Para ser mais preciso, em nove deles, o “balão explodiu”. O limite de 60% estipulado pela Lei de Responsabilidade Fiscal foi superado em Unidades da Federação como Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Rio Grande do Norte, Minas Gerais, Tocantins, Acre, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Paraíba.
O estudo realizado pelo Instituto Millenium mostrou que o Brasil é um dos países que mais gasta com pagamento de pessoal em todo o mundo. “O país é o sexto que mais tem esse tipo de encargo, dentre as 64 nações sobre as quais o Fundo divulga este dado. Nesta rubrica, o país está próximo à Noruega (PIB per capita: 75 mil U$) e Islândia (PIB per capita: 70 mil U$) e está à frente da Suécia (PIB per capita: 53 mil U$), ambos com PIB per capita — entre 5 e 7,5 vezes mais— e níveis de desenvolvimento muito superiores. Colômbia, Chile e Peru, com realidades mais próximas à do Brasil, têm seus gastos com pessoal mantidos no entorno de 6 pontos do PIB. Nem mesmo França e Alemanha possuem um gasto com pessoal no mesmo patamar que o Brasil”.
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O estudo, que está disponível no Millenium Analisa, aponta outro fator preocupante: só em 2019, 600 mil funcionários civis custaram R$ 319 bilhões ao Erário. Isso mesmo: 21 vezes mais do que o necessário e urgente investimento em saneamento básico, que metade da população brasileira não tem acesso.
E a Lei de Responsabilidade Fiscal é clara, com um dispositivo criado justamente para tornar os gestores mais responsáveis: quando o Estado descumpre o limite prudencial da Receita Corrente Líquida para os gastos com servidores, eles ficam proibidos de conceder vantagens, aumentos, reajustes ou adequação de remuneração salvos por sentenças judiciais ou de determinação legal e contratual; além da criação de cargos, empregos ou funções; a alteração da estrutura de carreira que implique aumento de despesas; a admissão ou contratação de pessoal, excetuando-se caso de aposentadoria ou morte de servidores das áreas de educação, saúde e segurança; bem como a contratação de hora extra, exceto em casos de urgência e interesse público relevante.
Isso é o suficiente para uma política de ampla austeridade fiscal, não é verdade? Bem, deveria ser, mas… Não é. O aumento das despesas com pagamento de servidores aumentou R$ 21 bilhões entre 2018 e 2019. Isso representa um crescimento de 5% nos gastos ao mesmo tempo em que os investimentos feitos pelos Governos de Estados, no mesmo período, caíram 27,7%, totalizando R$ 28,78 bilhões. Segundo o Tesouro Nacional, os Estados em situação fiscal mais grave poderiam ter economizado R$ 35,5 bilhões, se tivessem tomado as medidas adequadas para conter o avanço do gasto público.
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E, se você olhar para dentro dos Estados, a coisa fica ainda mais feia, com verdadeiros absurdos dos nossos representantes. Olha o que aconteceu no Pará, por exemplo: por lá, uma lei foi sancionada garantindo correção salarial com base na referência do salário mínimo, reajustando os valores para mais de 40 mil funcionários públicos ativos e inativos mesmo em uma situação precária do ponto de vista das contas públicas, com déficit fiscal de mais de R$ 1 bilhão. Ou seja, eles estão gastando o dinheiro que não tem para tentar fazer um agrado para o servidor.
Como nós já mostramos, Minas Gerais está numa situação que beira a falência. O Estado é um que poderia ter economizado recursos na casa de R$ 9,8 bilhões, de acordo com cálculos do Tesouro Nacional. No entanto, 69,4% de todo o Orçamento dos mineiros foi para as folhas de pagamento. A pesquisa do Tesouro Nacional também indica que, de cada cinco Unidades da Federação, quatro respondem por mais da metade dos gastos. E nem sempre para serviços essenciais: as despesas com pessoal na área da saúde têm valores baixos, representando apenas 10% da folha de pagamento. Outro indicador alarmante: 40% da despesa vai para servidores inativos.
Em outro Estado com situação complicada nas contas públicas, uma decisão pode desequilibrar ainda mais a balança: no Rio Grande do Sul, os servidores públicos poderão migrar para o Regime de Previdência Complementar, um benefício que irá reduzir a contribuição dos integrantes ativos – cerca de 21 mil trabalhadores dos três poderes do Estado, reduzindo, portanto, a arrecadação previdenciária.
Se maus exemplos ou medidas polêmicas são adotados na União e nos Estados… Os municípios não seriam a exceção. Em Maringá (PR), por exemplo, foi criada uma lei que garantia privilégios para integrantes da elite do funcionalismo local, com a incorporação de abonos, gratificações e verbas adicionais aos salários. Para se ter uma ideia do absurdo, em 34 anos de pagamento de aposentadoria e pensão para apenas 200 servidores beneficiados pela lei, o município desembolsaria R$ 60 milhões. Felizmente, no entanto, a absurda lei foi suspensa após uma liminar concedida a um cidadão que entrou com ação popular. O advogado da ação, Diego Alvarez Cristiano, explicou as motivações do autor da peça. “Estava numa época de contenção de gastos e também a gente está próximo de uma reforma da Previdência iminente no município, que ainda não foi colocada em votação. E, mesmo assim, colocaram um dinheiro da Prefeitura que poderia servir à população de Maringá […], em detrimento de 200 servidores públicos que já são a elite do funcionalismo público maringaense. Eles tiveram uma redução de 37 para 29 anos para se aposentar, essa redução veio sem progressão de carreira, ou seja, deu os 29 anos na função, além de não precisar progredir na carreira […], eles conseguem se aposentar com o teto”.
A farra com o gasto é algo tão intrínseco ao serviço público brasileiro que até outras legislações resultam nisso. Por exemplo: com as eleições em um cenário de pandemia, diversas medidas foram tomadas para que os candidatos não tirassem proveito dos cargos que ocupam para ganhar votos, o famigerado uso da máquina em benefício próprio. Entre as ações, estão o impedimento, que vale desde o dia 15 de agosto, de demissão de qualquer servidor público, bem como transferência, corte no salário e também de nomeações.
O espírito da lei é muito claro: impedir que funcionários dos governos fossem cooptados ou coagidos a trabalharem em campanhas dos candidatos à reeleição, além de impedir sanções por cumprirem com obrigações que vão de encontro aos interesses do gestor de plantão. Mas… Durante esse período, quem é servidor concursado e se licencia para disputar a eleição continua recebendo salário e benefícios! Em Araucária, no Paraná, um jornal local conseguiu um dado impressionante, no Portal da Transparência: 24 servidores que estão afastados por ocasião das eleições custam aos cofres públicos R$ 168 mil mensais! Durante todo o período da licença, que é de seis meses, o contribuinte de Araucária terá desembolsado mais de meio milhão de reais só em salários.
Consequência para as contas públicas, consequência também para o dia a dia do cidadão: em Rio Preto (SP), o déficit na Polícia vai aumentar. O Sindicato de Delegados de Polícia do Estado de São Paulo estima que a região sofrerá com a falta de 204 profissionais.
E, para piorar, uma decisão recente do Supremo Tribunal Federal causa um impacto ainda maior sobre as já combalidas contas públicas: os servidores federais ganharam o direito de um reajuste de 47,11% referente às diferenças sobre a parcela denominada adiantamento do Plano de Classificação de Cargos e Salários (PCCS), a pecúnia, após a mudança do regime celetista para o estatutário, garantindo a manutenção das vantagens asseguradas pelo regime extinto.
A situação, no entanto, poderia ser ainda mais grave se não houvesse o veto, por parte do governo federal, aos reajustes de salários, por conta da pandemia do novo Coronavírus – que, além de ter gerado uma recessão econômica, reduziu e muito a arrecadação de todos os níveis de governo. Os aumentos para o funcionalismo público poderia ter chegado à casas dos R$ 132 bilhões – isso é quatro vezes o que é gasto com o Bolsa Família, por exemplo. A isso se somam valores que são direcionados aos servidores aposentados, que, ao contrário dos demais, recebem vencimentos praticamente integrais – algo que vem crescendo muito e minando a capacidade de investimento da União.
💡 Dica do Instituto Millenium
O caminho para corrigir estas distorções é muito claro: controlar os gastos com os servidores! É preciso reestruturar as regras do serviço público. Hoje, por exemplo, há muitas carreiras, com curta duração, ou seja, com pouco tempo de serviço, o servidor já alcança o topo. É preciso reduzir em número e aumentar a duração dessas jornadas. Também passou da hora de regulamentar as avaliações de desempenho, que já estão previstas na Constituição. Desta forma, é possível alcançar maior eficiência do serviço público, com economia de gastos e melhores resultados para o cidadão.
Para entender mais sobre a necessidade da reforma administrativa, leia o estudo no Millenium Analisa, acesse o Millenium Explica e acompanhe a Página da Cidadania!