A pandemia tornou mais evidentes problemas estruturais do Brasil. A pobreza e a desigualdade social estão aumentando, e a crise das contas públicas, que já era uma realidade antes da chegada deste terrível vírus, tornou-se ainda mais desafiadora.
Enquanto o Estado e a sociedade pensam em alternativas de rolar a dívida nacional para financiar o aumento dos gastos com saúde e o apoio aos trabalhadores informais e aos desempregados, já que a taxa de desemprego chegou a assustadores 13,5%, existem categorias do setor público inconformadas, com o fato de não terem aumento salarial neste momento.
Nunca é demais, especialmente no Dia Internacional da Mulher, parafrasear Margaret Thatcher. A dama de ferro, em discurso famoso tão simples quão profundo, ensinou, há décadas, o que parte significativa do Brasil ainda teima em não aprender: “dinheiro público” é, na verdade, o dinheiro do pagador de impostos e o Estado não gera riquezas, mas, sim, as extrai daquilo que trabalhadores e empreendedores produziram. Logo, num cenário, como o atual, no qual o PIB do Brasil recuou 4,1% em 2020 e a arrecadação acaba de despencar 6,91% no mesmo período — já descontada a inflação oficial pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) — não há como justificar financeiramente e, até moralmente, parte significativa das regras, benefícios e salários para alguns postos do serviço público.
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O tema volta ao debate, nos últimos dias, depois que conversas de integrantes do Ministério Público Federal, vazadas para veículos de imprensa, continham reclamações sobre o Iphone SE, modelo do celular pago pelo Estado para alguns servidores do MPF, o termo usado para descrever o celular foi “esmola”.
Além de um salário de R$ 33,6 mil, abono pecuniário de até R$ 29,9 mil ou gratificação por acúmulo de ofício de até R$ 7,5 mil, e auxílio-alimentação de R$ 910, os procuradores têm direito a notebook de R$ 4.500,00, um tablet e um aparelho celular custeados por recursos públicos. O modelo de celular criticado por alguns integrantes do órgão pode chegar a R $3.600,00 no mercado.
Apenas para que o leitor tenha como referência, a última Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua, divulgada pelo IBGE, estima que mais de 50% dos brasileiros sobrevivem com um salário-mínimo ou menos. Isso quer dizer que num país continental como o nosso, cerca de 106 milhões de pessoas recebem mensalmente até R$1.100,00, o que equivale a 30% da “esmola” que alguns procuradores recebem para comprar celulares.
De acordo com o estudo “Reforma Administrativa: diagnósticos sobre a empregabilidade, o desempenho e a eficiência do Setor Público”, do Instituto Millenium em parceria com a consultoria Octahedron (ODX), os salários dos servidores de nível educacional médio no Ministério Público são, em média, de R$ 10,7 mil mensais e dos funcionários de nível superior é de R$ 19,4 mil por mês, em média.
Outro exemplo, é o Tribunal de Justiça de São Paulo ter gastado R$ 177 milhões com benefícios aos desembargadores e seus servidores, como auxílio creche (para funcionários ativos e inativos), escola e despesas médicas, que, em alguns casos, se estende à familiares dos juízes. A medida é legal e este é o problema. O próprio CNJ referenda, desde 2018, que todos os tribunais podem receber reembolso ou contratar planos de saúde para servidores ativos ou inativos e magistrados. Esses o reembolso pode chegar a 10% do salário.
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O mesmo estudo do Millenium sobre reforma administrativa, indica que a tributação sobre o consumo de bens e serviços equivale cerca de 48,4%, como o imposto sobre consumo é um imposto indireto, ele pode ser repassado, por meio dos preços, ao consumidor. Logo, em proporções, aqueles consumidores com a renda mais baixa acabam pagando mais impostos. Impostos esses que sustentam regras que, na atual realidade, criam verdadeiros privilégios que são incompatíveis com o momento que o país vivencia atualmente.
Em maio do ano passado, a Lei Complementar 173/2020 permitia o aumento salarial para as seguintes categorias, algo que foi vetado pelo Presidente da República.
– Funcionários públicos da área da saúde;
– Funcionários públicos da área de segurança;
– Militares das Forças Armadas;
– Servidores da Polícia Federal (PF);
– Servidores da Polícia Rodoviária Federal (PRF);
– Guardas municipais;
– Trabalhadores da educação pública como os professores;
– Agentes socioeducativos;
O problema é que parte dos trabalhadores do setor privado estava ou ainda está impedido de trabalhar, seja por não ser classificado pelo Estado como “serviço essencial” ou, simplesmente, pela redução na demanda, dado que seus clientes podem ter tido corte salarial ou perdido seus empregos.
Até para os profissionais da saúde, que, sem dúvidas, merecem reconhecimento por seu excessivo esforço neste período, e as demais categorias que são fundamentais, cada qual em suas áreas respectivas, inexistem condições econômico-financeiras viáveis no Estado brasileiro para aumentos no gasto com pessoal, hoje em 13,7% do PIB, de forma sustentável.
Se o Estado não tem, hoje, condições de custear um auxílio-emergencial permanente no valor de R$600 mensais, como vai sustentar aumentos salariais ou privilégios como os supracitados? Um mês de auxílio neste valor custa cerca de R$50 bilhões, para se ter uma ideia o orçamento anual do bolsa família é de R$34 bilhões.
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Enfim, se por um lado a situação é difícil, por outro, cada vez mais temos acesso à informação. Os portais da transparência, longe de serem perfeitos, já oferecem dados suficientes para munir o cidadão sobre algumas distorções. Outro ponto importante é estabelecer canais de comunicação com seu deputado, seu vereador. É importante que ele e sua assessoria saibam que a minoria difusa também se manifesta e acompanha.
Lembre-se que o Legislativo é quem faz as regras do jogo e a pressão de uma minoria ou categoria em específico, junto ao silêncio de uma maioria, pode dar uma falsa impressão sobre a popularidade de um determinado tema a um congressista. Portanto, para fiscalizar, é importante manter-se vigilante e atuante, a cidadania é um ato constante, que não se encerra na urna. Como vota o seu parlamentar e qual energia ele despende para fazer com que as Reformas Administrativa e Tributária ocorram?
Acompanhar, mandar e-mails e cobrar nas redes sociais são formas que temos para evitar a proliferação de privilégios disfarçados de direitos, endereçados a quem não os merece e custeados por quem não deveria pagá-los.