O Judiciário brasileiro precisa criar incentivos para desestimular o excesso de litigância, tornar mais previsíveis e uniformes seus entendimentos e também modernizar sua gestão, com inteligência artificial nos tribunais e varas. Essas foram algumas das propostas discutidas por especialistas no Millenium Talks desta terça-feira (10) sobre “Judiciário caro, lento e ações em excesso: algo ainda pode ser feito?” com o professor da FGV e sócio da CMT Advogados, Luciano Timm, o professor da USP e advogado, Flavio Yarshell, e o economista e professor do Insper, Thomas Conti.
Com mediação da presidente do Instituto Millenium, Marina Helena Santos, o debate abordou alguns dos principais desafios do sistema de Justiça brasileiro, como a lentidão, o excesso de processos e o fato de ele onerar os mais pobres, que são justamente os que têm mais dificuldade de acessar a Justiça. “Os pobres, com a carga tributária, acabam financiando a justiça para os mais ricos”, afirmou Luciano Timm.
Os participantes destacaram que é importante também avaliar o Judiciário a partir de aspectos econômicos e de teorias de comportamento humano já consolidadas nas Ciências Econômicas, a chamada Análise Econômica do Direito. Para Thomas Conti, do Insper, o Judiciário brasileiro não possui mecanismos que desestimulem o ingresso de ações descabidas na Justiça, o que acaba gerando uma sobrecarga no sistema, e isso acaba por “bloquear” na prática o acesso dos mais pobres à Justiça.
“Quando o Judiciário fica esgotado na capacidade dele de atender a demanda, o custo dele pesa muito mais nas pessoas que tem menos condições de lidar com isso”, explicou o professor do Insper, lembrando que a população mais humilde dificilmente vai conseguir tempo e dinheiro para lidar com advogados e ir até o fórum discutir processos.
Já Luciano Timm, autor do paper “Propostas para uma reforma do Sistema de Justiça no Brasil” que será divulgado nesta quarta-feira (10), pelo Millenium, propôs a implementação de ferramentas para desestimular o acesso à Justiça por aqueles que estariam apenas buscando algum ganho. “Defendo que a assistência judicial gratuita tenha critérios objetivos. Ou se leva em conta o critério do IBGE, de menos de 2,5 salários mínimos por família, ou então, se a pessoa for isenta de pagar o Imposto de Renda”, afirmou o professor da FGV, incluindo o acesso gratuito à Justiça como um dos fatores do grande número de processos no país.
Ele defendeu também que os juizados especiais cíveis não sejam 100% gratuitos como é hoje, e que os juízes passem a aplicar com mais frequência as multas por litigância de má-fé, quando uma das partes entra com um processo, mesmo sabendo que não tem razão, ou quando se abusa dos recursos apenas para protelar a execução da sentença. Ele também defendeu que o valor ganho nesse dispositivo jurídico como sucumbência seja destinado à pessoa que acionou a Justiça e não ao seu advogado, para que não haja incentivos errados para este.
A sucumbência é o percentual do valor da causa que a parte perdedora tem que pagar para a parte vencedora e, para Timm, o fato de este valor hoje ir para o advogado da parte vencedora faz com que muitas vezes o advogado oriente seu cliente pensando neste valor, já que, em caso de derrota não é ele quem pagará esse percentual, mas em caso de vitória ele pode receber o valor.
O professor da USP Flávio Yarshel, por sua vez, lembrou que mudanças no Judiciário são complexas por envolverem discussões sobre economia, poder e gestão, e que uma das saídas é adotar cada vez mais tecnologias para ajudar na gestão dos processos. “Temos que tentar o máximo possível racionalizar, o emprego da tecnologia e inteligência artificial podem contribuir pra isso e também precisamos criar algum tipo de controle”, afirmou, em referência aos casos de juízes que tomam decisões sem considerar precedentes. Yarshel também lembrou que já há tecnologias implementadas em tribunais, como o Tribunal de Justiça de São Paulo, para mapear casos de ações semelhantes que são protocoladas em vários lugares ao mesmo tempo, nos casos conhecidos como “Guerrilha Judicial”.
No final, Luciano Timm lembrou que a mudança no Código do Processo Civil feita em 2015 ajudou a combater alguns dos problemas apontados pelos estudos, sobretudo a importância de se fazer valer os precedentes. Ainda assim, aponta o professor, não foram implementados mecanismos para penalizar ou mesmo desestimular os magistrados que acabam decidindo de forma diferente dos precedentes. “Está faltando enforcement, porque não está custando nada para quem não está seguindo a lei”, afirmou.