O que pensar de uma empresa detentora do monopólio legal da distribuição de cartas, contas de água, luz, gás, telefone, boletos de cartões de crédito e qualquer outro documento que seja de interesse do destinatário, como cartões-postais e malotes e que, mesmo nessa condição privilegiada, acumulou ao cabo de 2017 cinco anos sucessivos de prejuízos? O que dizer de uma empresa que, no mesmo período, registrou crescimento de apenas 0,43% no quadro de funcionários, mas aumentou a despesa com pessoal em 62,6% e, se forem levados em conta os benefícios pós-emprego (pensões, aposentadorias, seguros de vida e assistência médica), em 345,8%?
Como defender quem consegue irritar destinatários, remetentes e seus próprios funcionários, levando-os a greves recorrentes? Como proteger a empresa que foi o estopim do “mensalão”, graças a um vídeo de um funcionário que recebia propinas, aparelhada com um número absurdo de nomeações políticas de um ex-presidente da República, e que depois foi forçada por sua patética sucessora a adotar uma política desastrosa de represamento dos reajustes das tarifas? Finalmente, o que dizer sobre a Operação Pausare, deflagrada no primeiro dia de fevereiro deste ano pela Polícia Federal, após um relatório – enviado ao Ministério Público Federal por órgãos de controle – ter identificado má gestão, irregularidades, corrupção e impropriedades na aplicação dos recursos do Postalis, o fundo de pensão da empresa, em montante de cerca de R$ 5 bilhões?
Sobejam argumentos econômicos, políticos e morais para que a ECT perca o monopólio e seja privatizada. Em pleno século 21, a anuência da seita formada por adoradores do Estado, sindicalistas e nacionalistas à manutenção desse monopólio não passa de um fetiche, pois não há fundamentos que a sustentem.
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Um sofisma bastante comum sugere que, quando o governo é dono de uma empresa, o “povo” também é seu proprietário e todos os cidadãos se beneficiam com essa pretensa posse. Portanto, considerando que somos 210 milhões de brasileiros, cada leitor “possuiria” 1/210 milionésimos dos Correios, mas sem poder vender nem emprestar seu precioso “haver”. Onde está o benefício?
Outra falácia, que beira a infantilidade, é a de que, como a história da ECT remonta a 1663, com a criação do Correio-Mor, seria um equívoco entregá-la à sanha dos sempre desalmados empresários. Ora, por esse raciocínio, o presidente Temer deveria estar utilizando a carruagem de dom João VI – o carro “chapa-branca” mais luxuoso da época –, também pertencente ao Estado.
Um terceiro mantra é o de que, se a empresa for privatizada, aquela senhora que mora nos cafundós-do-Judas não receberá as cartas da filha carioca, pois esse serviço não daria lucro, enquanto a receita que uma estatal fatura nas grandes cidades possibilita o serviço de entrega em regiões distantes. Esse paralogismo ignora dois fatos: o de que os Correios não fazem entregas em lugares perigosos, nem mesmo nos grandes centros – algo absurdo para um monopólio – e o de que é ilógico cobrar o mesmo preço, qualquer que seja o local de entrega. Por que um destinatário lá onde o mesmo Judas perdeu as botas deve custar o mesmo que um do Centro de Curitiba? Não é o pagador de impostos que banca essa bondade? Será que não é melhor existir competição?
Monopólios legais são sempre nocivos ao consumidor e empresas estatais invariavelmente servem aos interesses do governo, de seu sindicato e de seus funcionários, especialmente os seus diretores indicados politicamente. O melhor a fazer com a ECT é privatizá-la e abolir o monopólio. Só assim nossa encomenda não vai sumir.
Fonte: “Gazeta do Povo”, 02/03/2018