A classe política se encontra na linha de frente das críticas populares. Há um sentimento quase generalizado de que todo político (ou ao menos a esmagadora maioria da classe) é corrupto e de algum modo incapaz de resolver os problemas do país.
No entanto, os políticos não estão sozinhos, dado que a classe jornalística, principalmente a que compõe a chamada grande mídia, também vem sofrendo críticas por parte da população. Parte destas críticas pode ser injusta, mas boa parte possui fundamento, algo que pode ser evidenciado a partir de algumas sabatinas de candidatos à presidência.
A sabatina é – ou pelo menos deveria ser – uma forma de testar as inconsistências nas propostas apresentadas pelos candidatos, sendo uma maneira de fazê-los afirmar de maneira mais clara e categórica o que suas propostas querem dizer em termos práticos. Será que a proposta é ilógica, irreal e desconsidera a situação atual do país?
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Numa sabatina, esse tipo de pergunta deve ficar clara, sem a necessidade de ataques pessoais ou de “viagens no tempo” totalmente fora de contexto. Ao contrário do que se pretende quando se parte para essa estratégia, de atacar diretamente e lembrar de situações descontextualizadas, isso pode deslegitimar quem está perguntando e até mesmo ajudar o candidato, na medida que o transforma em um “injustiçado” frente a injúrias disfarçadas de perguntas.
Como exemplo, vamos pegar duas sabatinas que geraram grande polêmica, de dois candidatos à presidência com propostas e eleitores bem distintos, realizadas pelo mais tradicional programa de entrevistas do Brasil. Os presidenciáveis são Manuela D’Ávila (PC do B) e Jair Bolsonaro (PSL) e o programa é o Roda Viva, apresentado pela TV Cultura há pelo menos 30 anos.
Essa escolha foi realizada com base na polêmica gerada quanto às perguntas realizadas para esses dois candidatos. A sabatina de Manuela D’Ávila (que agora renunciou sua candidatura em prol de participar da chapa tripléx do PT) girou em torno do fato de os entrevistadores terem feito perguntas sempre pendendo em conta a idade e o sexo da candidata.
No caso de Bolsonaro, as reclamações foram voltadas ao fato de os entrevistadores terem a todo momento procurado rotular o candidato através da busca da associação entre acontecimentos passados e descontextualizados com o momento atual do país.
Com base nisso, vamos fazer uma “roda”, agora com algumas perguntas que se talvez fossem feitas poderiam de fato encurralar os candidatos. Mas, antes de fazer tais perguntas, temos que definir os temas.
Os temas escolhidos são: BNDES, Bolsa Família, investimento em educação, Reforma da Previdência e relações exteriores. As perguntas para Jair Bolsonaro virão precedidas por um (B), enquanto que para Manuela D’Ávila virão com um (D).
Vamos as perguntas!
Tema: BNDES
(B) Considerando o seu provável futuro Ministro da Fazenda, o economista Paulo Guedes, um economista liberal, como o senhor candidato pretende fazer quanto a atuação do BNDES? O Banco terá o seu raio de atuação limitado (ideia defendida por importantes economistas) ou haverá a extinção do banco? Em relação a outros bancos públicos, como a Caixa e o Banco do Brasil, estes serão privatizados? E o Banco Central, será politicamente independente?
(D) O BNDES gastou cerca de 1,2 trilhão de reais com “empresas amigas”, além de empréstimos bilionários para outros países, a exemplo de Angola, Cuba e Venezuela. A senhora considera que esses empréstimos foram positivos para a economia brasileira? Caso eleita, a senhora pretende intensificar esses gastos, mesmo sabendo que isso prejudica os consumidores mais pobres (gastos em empresas amigas contribuem para concentrar o mercado) e que contribui para solidificar regimes autoritários (vide Cuba e Venezuela)?
Tema: BOLSA FAMÍLIA
(B) Não há dúvidas de que políticas populistas, disfarçadas de assistencialistas, são históricas no Brasil. Não obstante a isso, existem políticas sociais comprovadamente importantes, como o Bolsa Família. Baseado nisso, qual será a sua postura em relação ao programa?
(D) A sua campanha prega uma excessiva intervenção estatal ao mercado. Mas o Bolsa Família, que talvez seja o programa social de maior sucesso no Brasil, é justamente um programa de pouca intervenção. Esse sucesso não representa uma incoerência grave com as suas propostas intervencionistas?
Tema: EDUCAÇÃO
(B) Atualmente, há um grande descompasso entre investimento na educação básica e na educação superior. O que você pensa em relação a isso? Além disso, foi anunciado de que a Capes teria o seu orçamento para o próximo ano, reduzido em cerca de 580 milhões de reais, redução que geraria um corte de 200 mil bolsas. Mas antes desses cortes, havia sido aprovada a criação de um fundo partidário bilionário, e, mais recentemente, houve a renúncia do governo de alguns milhões de impostos com o objetivo de financiar uma peça de teatro. Em tempo de Teto de gastos, qual será a prioridade de um eventual governo seu em relação a educação?
(D) Em todo o seu discurso, é enfatizado que os grandes problemas do Brasil estão vinculados a falta de gastos do governo. No entanto, os desembolsos para a educação brasileira, apesar de superarem inclusive alguns países desenvolvidos em termos da proporção com o PIB, possuem resultados pífios, além de graves problemas estruturais, ilustrados por escolas caindo aos pedaços e professores mal remunerados. Esses resultados não ilustram que o grande problema na educação brasileira, pode estar mais em má alocação de recursos do que necessariamente aumento de gastos?
Tema: REFORMA DA PREVIDÊNCIA
(B) A Reforma da Previdência é algo VITAL para o futuro do Brasil. Recentemente o senhor candidato se posicionou contra a reforma proposta pelo presidente Michel Temer, indicando que seria uma proposta inviável. Em resposta, Paulo Guedes chegou a falar sobre a sua proposta para a Reforma da Previdência, que passaria a contar com um sistema de capitalização. Mas o grande ponto obscuro que fica em relação a essa proposta é em relação a transição do velho para o novo sistema. Como seria feita a transição da atual previdência, para o regime idealizado em seu governo?
(D) A Reforma da Previdência é algo VITAL para o futuro do Brasil (é preciso enfatizar essa frase). Caso não haja, é necessário destacar que a quebra total da Previdência, algo inevitável se nada for feito, trará maiores perdas justamente para os mais pobres. O que a senhora candidata pensa sobre o tema? Possui alguma proposta factível e pragmática em relação a isso?
Tema: RELAÇÕES EXTERIORES
(B) O senhor candidato sempre enfatiza a necessidade de estreitar mais os laços do Brasil com Israel, destacando que o distanciamento entre os dois países teria sido gerado durante os governos petistas e por razões ideológicas. Independente de terem havido questões ideológicas ou não, é certo que o Brasil mantém relações estreitas e bem vantajosas com os países árabes (países claramente anti-Israel). Esse novo posicionamento “pró-Israel” não poderia ter efeitos negativos nas relações com os países árabes?
(D) A Venezuela é atualmente um país que passa por graves problemas, além de uma crise econômica catastrófica, o país possui um regime de governo pouco democrático (para dizer o mínimo). Em um eventual governo seu, qual será a relação do Brasil com a Venezuela? Qual é a sua opinião em relação ao calote venezuelano dado no Brasil (no povo brasileiro)?
Esse é um “mini tutorial”, o que significa que milhares de outras boas perguntas poderiam ter sido feitas. O importante a se destacar, é que não há necessidade de relembrar relacionamentos passados dos candidatos ou assaltos sofridos na década de 1990.
Em uma sabatina não é necessário levantar a bola para os candidatos (como diria um famoso jornalista), mas é preciso encurralá-los, não no sentido pessoal, mas nas incoerências contidas em suas propostas.
Fonte: “Terraço Econômico”, 12/08/2018