O Ministério que a presidente eleita, Dilma Rousseff, montou mostra bem a dificuldade que uma política sem experiência terá para administrar esse imenso condomínio eleitoral de dez partidos políticos que têm entre si mais interesses do que visões programáticas. A coalizão mais fragmentada de que se tem notícia na História política recente só formaria um Ministério coerente se tivesse como base um dos partidos, e isso, Dilma fez, mesmo às custas de desagradar a outros aliados: deu um espaço privilegiado ao PT, que controla todos os chamados “ministérios da Casa”, ficando com os mais estratégicos também da Esplanada, como Fazenda, Planejamento, Saúde, Comunicações, Ciência e Tecnologia, Educação.
O Ministério ficou com mais cara de Lula, de uma continuidade sem grandes inovações, o que pode indicar justamente isso, um governo amorfo, ou também apenas uma estratégica submissão enquanto Lula não abre mão de ser o manda-chuva além do próprio mandato.
Dos 37 ministérios, o Partido dos Trabalhadores ficou com nada menos que 17, e o PMDB, o segundo maior partido da coligação, embora tenha permanecido com suas seis pastas, “perdeu substância”, como admitiu o vice-presidente eleito, Michel Temer. Essa substância política foi parar justamente nas mãos de petistas: Paulo Bernardo nas Comunicações e Alexandre Padilha na Saúde.
A indicação do deputado do Rio Luiz Sérgio, um ilustre desconhecido fora das hostes petistas, para a articulação política do governo só demonstra a força de José Dirceu no Ministério novo.
Também o PSB, o partido da base aliada que mais cresceu nas últimas eleições, não teve recompensada sua atuação política nas urnas. Ficou com duas pastas, como vinha acontecendo, mas apenas o número é igual. Perdeu para o petista Aloizio Mercadante o Ministério da Ciência e Tecnologia, que deveria ser um ministério estratégico para um país que se pretende ator de primeira categoria no cenário internacional.
O PMDB manteve sob seu domínio o Ministério das Minas e Energia, com o senador Edison Lobão, e o da Agricultura, com Wagner Rossi, mas terá que dar consistência política à Secretaria de Assuntos Estratégicos, turbinada pelo comando do Conselhão, o que pode significar coisa alguma se os seus aconselhamentos continuarem sendo desprezados pelo governo.
Mas, se o Conselhão ganhar importância estratégica, seu coordenador, o ministro Moreira Franco, ganhará relevância política dentro do governo. Caberá a ele conseguir que os empresários que o compõem exijam que o fórum de debates ganhe repercussão dentro do governo e se transforme em uma das instâncias governamentais, se não de decisões, pelo menos de aconselhamento consequente. Tarefa difícil, pois o Conselhão foi criado no primeiro governo de Lula com a intenção de se sobrepor ao Congresso, encaminhando a ele reformas e decisões para serem homologadas.
O Congresso reagiu a essa intenção e transformou o Conselhão em quase nada, uma reunião de empresários cuja participação dá status, mas não poder decisório.
A presidente eleita mostrou sua determinação ao ampliar para nove o número de mulheres no seu Ministério, longe do idealizado terço, mas ampliação suficiente para marcar uma posição. Também não foi criado nenhum novo ministério, o que é um bom sinal em tempos de necessidade de cortes de orçamento. Mas no próximo ano deve ser criado o Ministério de Micro e Pequenas Empresas anunciado por Dilma durante a campanha eleitoral, e também o de Aeroportos, essencial para a realização da Copa do Mundo em 2014.
A dificuldade para montar o Ministério ficou patente não apenas nos atrasos do cronograma — ela pretendia apresentá-lo integralmente antes de sua diplomação na semana passada —, mas também pelo descontentamento que causou. O PMDB não está contente com a desidratação de seu poder, e certamente vai buscar uma compensação no momento mais adequado politicamente. O PSB queria um terceiro ministério para contentar sua bancada, mas teve que se satisfazer com o esmo número de pastas, e de menor importância.
Além do fato de Dilma ter querido manter Ciro Gomes no Ministério, certamente seguindo o sábio conselho político vindo de Tancredo Neves, que criou o Ministério da Cultura para abrigar José Aparecido de Oliveira, aliado com voos próprios a quem preferia ter ao seu lado do que desgarrado. Não conseguiu e ainda provocou um atrito com o presidente do PSB, o governador reeleito de Pernambuco Eduardo Campos.
Essas pequenas dissensões já se refletiram na disputa pela presidência da Câmara, fazendo com que o candidato oficial Cândido Vaccarezza tivesse que desistir do cargo para um candidato da base petista. E alimentam movimentos dentro dos aliados para uma candidatura alternativa. Se ela se concretizar, poderemos ter uma repetição do impasse que levou à presidência da Câmara o indigitado Severino Cavalcanti.
A única vantagem do governo Dilma é que, hoje, as oposições se compuseram com o candidato do PT mais facilmente que os próprios aliados.
Fonte: O Globo, 23/12/2010
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