Com os pés no barro e rodeados de paredes de pau a pique, alunos aprendem sobre “saúde” em um ambiente que contradiz totalmente o tema. No interior de Alagoas, a estrutura que atende pelo nome de Escola Municipal Nova Reforma, no assentamento Fazenda Nova Reforma, em São Luís do Quitunde, é composta por dois cômodos e está longe de proporcionar um ambiente educacional saudável. Criada em 2009 com recursos dos próprios assentados, a escola ensina de maneira multisseriada — com aulas ministradas ao mesmo tempo para crianças de diversas faixas etárias — e é um exemplo do cenário primitivo da educação básica no país em algumas localidades.
Situações como esta foram identificadas pelo Ministério Público Federal, em parceria com o MP dos estados, durante uma expedição que já dura um ano e percorre 25 estados do país — exceto São Paulo — e o Distrito Federal. O projeto, chamado Ministério Público pela Educação (MPEduc), pretende diagnosticar as condições a que alunos e professores são submetidos, por meio de visitas e audiências públicas, e emitir recomendações ao poder público local para que resolva as irregularidades.
— A realidade do país é muito diferente do que a lei obriga. Eu definiria a educação no Brasil como primitiva. Escolas que não têm nem banheiro, modelos de ensino completamente defasados, professores que não ganham o piso… — critica a procuradora da república e coordenadora do projeto, Maria Cristina Manella.
Instabilidade política atrapalha
Dono do Ideb mais baixo do Brasil, o estado de Alagoas coleciona escolas em condições precárias. Em Joaquim Gomes, a uma hora e meia de Maceió, a falta de estrutura é regra e não exceção. O teto rui sobre os estudantes da EMEB (Escola Municipal de Educação Básica) Cícera Santos Marinho, enquanto na EMEB Douglas Apratto as salas outrora brancas se converteram em verde-mofo. O progresso da educação na cidade encontra obstáculos, entre outras coisas, na instabilidade política do município, que enfrenta trocas constantes de prefeito.
— Fiquei tão chocada com aquilo, com as condições em que uma criança estuda. É justamente para ela não estudar e manter esse status quo. Já fui a escolas que desviam recursos da merenda, e a outras em que não havia merenda e os alunos iam para a casa porque estavam com fome — conta a procuradora Niédja Kaspary, que desenvolveu o projeto nas cidades de Alagoas. Ela explica que em Joaquim Gomes o MPEduc tem encontrado dificuldades. — Fizemos o projeto com um prefeito que depois foi afastado por improbidade. Então assumiu outra pessoa, que exonerou a secretária que acompanhava a situação. Essa troca constante faz com que as coisas não andem.
A educação também caminha a passos lentos no Maranhão. Em Peritoró, no leste do estado, os alunos da Escola Municipal José Pessoa convivem, por exemplo, com a frequente falta de merenda. No anexo da mesma escola, que fica distante da sede e atende a outros 34 alunos, quando a vontade de ir ao banheiro aperta, os meninos precisam recorrer a um matagal ao lado da unidade, e as meninas dependem de um biombo de palha, instalado na rua, para fazer suas necessidades.
Convivendo com o calor do Nordeste em uma sala sem janelas, onde o número de carteiras é escasso e as que existem estão velhas, as crianças têm as primeiras lições de alfabetização, muitas vezes sem livro didático. A falta de formação dos professores arremata o quadro.
— Encontramos desde condições sanitárias que beiram a Idade Média até crianças de 3 anos tendo aulas junto com crianças de 13. O livro escolar também não é distribuído, porque os alunos sequer aprenderam a ler — conta o procurador Hilton de Melo sobre a escola.
Mazelas como essas não são restritas ao nordeste. No Rio, onde o programa chegou à capital no fim de junho, o Ministério Público também encontrou deficiências flagrantes. Em Duque de Caxias, na Baixada Fluminense, uma das primeiras cidades a serem alvo do projeto, das 238 escolas que responderam aos questionários do MP, entre municipais e estaduais, 135 não possuíam biblioteca. Além disso, mais da metade não tinham quadras poliesportivas e 43 reportavam falta de materiais básicos, como quadro negro e giz. Em 17 escolas da rede não havia água potável, e 89 unidades reclamaram do mobiliário da sala de aula. Na
Escola Municipal Manoel Joaquim Salgueiro, onde o espaço é apertado e a ventilação é mínima, o reboco do teto do “refeitório” cai no espaço estreito onde a merenda é servida.
Em nota, o governo municipal afirma que “vem realizando uma série de reformas em diversas unidades de ensino”, entre elas, a E.M Manoel Joaquim Salgueiro e que as obras devem começar em agosto. A prefeitura alega ainda que distribuiu 5 mil carteiras e realizou licitações para compra de materiais. Já a Secretaria Estadual de Educação do Rio, afirma que os problemas encontrados pelo MPEduc nas escolas da rede já foram solucionados ou “estão em processo de adequação”. Segundo o órgão, novos móveis foram distribuídos e a falta d’água é compensada com o pagamento de verba extra para a manutenção.
Já o MEC argumentou que “a Lei de Diretrizes e Bases da Educação determina a responsabilidade de cada ente da federação, e estabelece autonomia para as redes municipais e estaduais quanto à educação básica”. O Fundo Nacional de Desenvolvimento (FNDE) afirmou que repassa verbas do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb) para estados como Alagoas e Maranhão, conforme prevê a lei, e que em 2015 o valor repassado é de R$2.576,36 por aluno. Segundo o órgão, o Programa Dinheiro Direto na Escola (PDDE), verba de caráter suplementar, atende a 43 milhões de alunos e tem previsão de destinar R$ 2,9 bilhões para 134 mil escolas este ano.
Fonte: Extra.
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