O governo do presidente argentino Mauricio Macri já estabeleceu uma linha direta de comunicação com a equipe do presidente eleito, Jair Bolsonaro (PSL), para começar a discutir questões relativas, principalmente, à economia e comércio. O contato foi confirmado ao “Globo” pelo ministro da Fazenda argentino, Nicolás Dujovne, que, às vésperas do esperado encontro anual de chefes de Estado do G-20 em Buenos Aires, contou, ainda, quais são as expectativas da Casa Rosada em relação ao evento do ano para Macri.
O ministro disse ter conversado por telefone com Paulo Guedes, um dos superministros do futuro governo Bolsonaro, e revelou que ambos coincidiram na necessidade de tornar o Mercosul “mais flexível, ágil e inteligente”. Dujovne questionou, por exemplo, o fato de o bloco ter a Tarifa Externa Comun (TEC) mais elevada do mundo e disse compartilhar com Guedes a importância de “transformar o Mercosul em algo que nos aproxime do mundo e não que nos proteja dele”.
O Globo – Esta promete ser a reunião mais difícil do G-20 nos últimos dez anos, com a tensão entre China e EUA…
Dujovne – O G-20 teve papel relevante em momentos importantes, como a crise de 2008. Sem a participação do G-20, naquele momento a recessão teria sido muito pior, teríamos tido mais soluções individuais, protecionismos e desvalorizações competitivas. Isso foi evitado pela ação do G-20.
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O Globo – Mas hoje não se vê a sintonia e consenso de outras épocas…
Dujovne – Nos últimos anos alguns consensos da agenda internacional passaram a ter menos consenso (risos).
O Globo – Especula-se que o documento final do encontro sequer citará protecionismo…
Dujovne – Não vou especular. É importante que o G-20 seja o âmbito no qual as diferenças são expressadas. Chegar a acordos sobre onde há desacordo faz parte do G-20. Em 2017, surgiram divergências sobre mudança climática e comércio. Mesmo assim, primou a visão sobre o benefício do comércio como fonte geradora de prosperidade. De forma alguma podemos dizer que o G-20 tornou-se protecionista.
O Globo – E quanto a alguns de seus membros?
Dujovne – Sim, mas mesmo assim o G-20 mantém um consenso e uma visão positiva sobre o comércio internacional. Assumimos este desafio de manter este grupo unido, apesar das diferenças. A questão do comércio estará presente no comunicado. Mas existem diferentes olhares sobre o comércio e o consenso que surgir deverá considerar a visão de todos.
O Globo – Quais serão as demandas de Macri a Donald Trump no encontro bilateral entre ambos?
Dujovne – Temos uma agenda ampla e em questões de comércio estamos focados em desbloquear alguns produtos, como a carne. Conseguimos avanços com os limões, queremos falar sobre biocombustíveis, enfim, é uma agenda rica.
O Globo – Como o senhor vê o Mercosul?
Dujovne – Já conversei com o futuro ministro (da Economia, Paulo) Guedes. Tivemos uma excelente conversa e posteriormente minha equipe esteve reunida com sua equipe no Brasil. Compartilhamos uma visão com o governo eleito em relação ao Mercosul. Achamos que pode ser uma ferramenta potente, mas deve ser relançado de maneira inteligente para que funcione melhor. Hoje o Mercosul é o bloco mais fechado do mundo e compartilhamos com o futuro governo brasileiro a defesa de flexibilizá-lo.
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O Globo – Como?
Dujovne – Existem muitas maneiras. Queremos que o Mercosul funcione como um mecanismo para que juntos busquemos novos mercados e não para nos proteger de outros mercados. Todos os membros do Mercosul entendem que temos de olhar o mundo como fonte de oportunidades e não ameaça. Temos a Tarifa Externa Comum mais alta de todos os blocos do mundo e, em função disso, temos de trabalhar.
O Globo – Essa já é uma pista… deverão modificar a tarifa?
Dujovne – Sem dúvida, mas temos o desafio do acordo com a União Europeia (que começou a ser negociado há mais de 15 anos). Seria uma forma de tornar o Mercosul mais aberto. Trabalhar por uma confluência com a Aliança do Pacífico. Existem muitas ferramentas para flexibilizar o Mercosul. Com Guedes concordamos que precisamos de um Mercosul mais inteligente, ágil e flexível.
O Globo – Os dois governos devem implementar ajustes fortes. O senhor disse que Macri é o primeiro a fazer um ajuste dessa magnitude sem ser derrubado…
Dujovne – Um governo que tem minoria parlamentar conseguiu aprovar um Orçamento que implica corrigir nosso desequilíbrio fiscal. É uma situação inédita na Argentina. Negociamos com parte da oposição um Orçamento que prevê medidas para alcançar a estabilidade econômica.
O Globo – Esta semana o dólar voltou a encostar nos 40 pesos. Essa nova desvalorização tem a ver com as incertezas políticas?
Dujovne – Me preocupa que uma parte da Argentina busque o futuro e outra parte queira voltar a um passado que fracassou. Teríamos um ano mais tranquilo se tivéssemos uma oposição que aceitasse questões básicas como as regras republicanas, a Justiça independente, o papel do Congresso, a visão de uma Argentina integrada ao mundo. Mas parte da oposição não adere a questões tão básicas como a divisão de poderes. Isso gera desconfiança, mas nós não escolhemos a oposição. Nosso dever é continuar governando.
O valor do dólar responde a uma mistura de coisas. O valor do câmbio vinha de 41 pesos, passou a 36 e hoje está em torno de 38. Temos câmbio flutuante e estamos numa zona confortável. Quando ficar cada vez mais visível a estabilização de nossas contas internas e externas o mercado vai reconhecer, mas é preciso ter paciência.
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O Globo – No atual cenário, o senhor acredita que Macri conseguirá se reeleger?
Dujovne – Não tenho dúvidas disso. O fenômeno da popularidade dos governos é uma questão global, mas o governo de Macri, mesmo neste momento do ciclo econômico, tem uma das popularidades mais altas da América Latina. A sociedade argentina apoia este processo de mudanças. Recebemos um delírio macroeconômico e quando vemos o que conseguimos, embora o crescimento não seja o mesmo de outros países que corrigiram seus desequilíbrios, estamos muito melhor. Estamos gerando as condições para ter um país que cresça durante décadas.
Fonte: “O Globo”