A saída do ministro “neoliberal” e a entrada de um “desenvolvimentista” na pasta da Fazenda reacendem o debate sobre o tamanho do Estado, especialmente nesta quadra de profunda crise fiscal que compromete o presente e interdita o futuro da economia brasileira. Os petistas defendem o Estado grande, com muitas “boquinhas”, e enaltecem os miraculosos efeitos keynesianos do gasto público, pouco se importando com seu financiamento. Imaginam a possibilidade infinita de endividamento ou de exação fiscal sobre os “ricos”.
É regra elementar de finanças públicas que o governo não deve gastar mais do que arrecada. A desobediência a esse preceito resulta, como nos condomínios, em inevitável chamada extra. No caso do governo, síndico do condomínio público, a chamada extra vem na forma de emissão de títulos – que formam o estoque da dívida pública -, cujos juros têm de ser honrados logo à frente com mais impostos e/ou menos gastos. O estoque da dívida pública nada mais é que a soma dos déficits acumulados ao longo do tempo. O déficit/dívida é defensável quando financia despesas de investimento, pois é razoável que gerações futuras, também beneficiárias dos equipamentos públicos (estradas, aeroportos, etc.), suportem parte de seu custo. Mas se o desequilíbrio vem da exacerbação das despesas correntes (pessoal, Previdência, transferências de renda, etc.), é maldade da geração atual, que goza o bônus dos serviços, transferir o ônus de seu financiamento para gerações futuras.
A aritmética impõe que ao menos os juros da dívida pública sejam honrados por “poupança do governo”, o superávit primário (receitas menos despesas não financeiras), sob pena de a relação dívida/PIB explodir, iniciando um diabólico círculo vicioso mais juros, maior dívida, mais juros… A dramática crise econômica brasileira decorre de barbeiragens e rapinagens que desarranjaram as contas públicas, resultado do tsunami de gastos correntes nos últimos cinco anos. O Estado brasileiro custa hoje, consideradas as despesas com juros, 45% do PIB, que não cabem na carga tributária de 36%. Em 2010 as despesas com juros da dívida representavam 5,03% do PIB e o governo conseguiu “poupar” 2,62% do PIB. O resultado, pois, foi um déficit nominal (juros sem lastro de poupança do governo, que foram, portanto, pagos com “papagaios” novos) de 2,47% do PIB. Nos últimos 12 meses até outubro, o déficit primário foi de 0,71 % do PIB (que salta para 2% se computadas as “pedaladas” enrustidas nos bancos oficiais), enquanto as despesas com juros subiram para 8,79% do PIB, resultando em déficit nominal de 9,5% do PIB! Esse é o tamanho da tragédia fiscal.
Debatem-se hoje possíveis saídas dessa armadilha, fruto de amadorismo e irresponsabilidade eleitoreira. Os “desenvolvimentistas” pregam aumento do gasto e do crédito ao consumo e redução dos juros, imaginando que isso turbinará a demanda, o PIB e, pois, a arrecadação tributária. Essa bruxaria foi usada em Dilma 1 e deu no que deu: contas públicas em frangalhos, descontrole da inflação, queda do PIB. Imaginar que o desequilíbrio estrutural (crescimento vegetativo da relação despesas correntes/ PIB) pode ser corrigido com política anticíclica é de um primarismo comovente. O novo ministro, ex-bruxo que é, não acredita em bruxarias e promete ao mercado o ajuste fiscal: CPMF, corte de gastos e reformas estruturais. À galera petista promete a festa do crescimento, que tornará viável o governo da vez.
No desenho constitucional vigente, a margem de discricionariedade para corte de gastos não vai além de 10% do total, aí incluídas as despesas de investimento tão necessárias para recuperar a infraestrutura. Infelizmente, as emendas constitucionais necessárias à mitigação da rigidez orçamentária (desvinculação de receitas, reforma previdenciária) e à quebra do crescimento inercial das despesas correntes, além da instituição da CPMF, pressupõem a existência de um governo forte. Ou, pelo menos, de um governo.
Quanto à promessa de retomada do crescimento, espera-se que o ex-bruxo não volte a acreditar em bruxaria. Ou desmentirá o vaticínio daquele sábio deputado: pior do que está fica…
Fonte: O Estado de S. Paulo, 2 de janeiro de 2016.
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