Cadê 2019? De repente o próximo ano desapareceu do radar. A economia funciona como se a política pouco importasse, o Judiciário fosse um imponente farol, nenhuma reforma fosse urgente e a herança destinada ao novo presidente fosse, no mínimo, aceitável. A assombração da dívida pública parece ter sido esquecida ou exorcizada, assim como o risco de rompimento da regra de ouro das finanças oficiais – a proibição de tomar empréstimos para cobrir conta de luz, folha de pessoal e outras despesas correntes. A dúvida, no mercado, é se o País terá fôlego para crescer 3% em 2018 ou se os brasileiros terão de se contentar com pouco menos. Não há sinal de euforia, até porque o Brasil ainda convalesce da recessão, mas as projeções apontam expansão econômica na faixa de 2,5% a 3% neste ano e pouco mais em 2019 e 2020, com inflação perto da meta ou mesmo abaixo. E a pauta de ajustes e reformas? Deus proverá, assumindo tarefa mais ampla que a mencionada por Jesus no Sermão da Montanha?
Uma separação entre economia e política foi apontada por alguns analistas no ano passado. O comentário pareceu exagerado, na ocasião, e talvez fosse mesmo. Durante algum tempo economistas do setor financeiro explicitaram, como pressuposto de suas projeções, o avanço na arrumação das contas públicas e na implementação de reformas.
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Mas a pauta emperrou, afinal, e nada notável ocorreu no mercado. Nem sequer o rebaixamento da nota brasileira pela Fitch, uma das mais importantes agências de classificação de risco, gerou sobressalto visível. Estava tudo previsto, disseram as fontes mais consultadas. Mais que isso: já se absorveu, disse um banqueiro, o abandono da reforma da Previdência até o fim deste ano. Tudo bem, mas haverá alguma preocupação com 2019? O presidente eleito cuidará do assunto inevitavelmente?
Tanto no setor financeiro quanto no industrial a incerteza política parece ter produzido pouco ou nenhum efeito nos últimos meses. A insegurança pode limitar o investimento em bens de produção, é verdade, mas, apesar de tudo, as compras de máquinas e equipamentos têm crescido. Além disso, levantamentos periódicos apontam maior disposição de investir e maior certeza quanto à realização dos planos.
“A recuperação da produção e do investimento refletiu, entre outros fatores, a melhora acentuada nos indicadores de confiança”, segundo a Carta de Conjuntura publicada nesta semana pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). No caso da indústria, assinalam os autores do informe, o indicador superou em fevereiro, pela primeira vez desde setembro de 2013, a linha de 100 pontos. Índices acima de 100 pontos denotam otimismo.
Tudo se passa, enfim, como se o andamento da produção, do consumo e até do investimento fosse basicamente autoalimentado. A vida prossegue como se pouco importasse a correção dos enormes problemas das contas públicas, ou, enfim, como se tivesse escassa relevância o nome escolhido para ocupar o Palácio do Planalto a partir de 1.º de janeiro.
Além disso, projetos importantes para a gestão do Orçamento neste ano estão emperrados. Outros têm sido desfigurados nas comissões, como o da reoneração da folha de pagamentos. Muitos bilhões previstos como reforço das finanças públicas podem ser perdidos.
O bloqueio orçamentário de mais R$ 2 bilhões, anunciado na quinta-feira pelo Ministério do Planejamento, foi uma reação a esse obstáculo político. Com isso o total congelado no Orçamento chegou a R$ 18,2 bilhões. A reoneração poderia proporcionar R$ 8,9 bilhões. Outro projeto emperrado, o da privatização da Eletrobrás, poderia render R$ 12,2 bilhões ao Tesouro.
E daí? Daí, nada, pelo menos no dia a dia da produção, do consumo e até do investimento na capacidade produtiva das empresas. Como ocorre desde o ano passado, a vida e os negócios continuam, sem grandes abalos, num ambiente quase alpino ou escandinavo.
Mas o desempenho mais notável, nesse campeonato de tranquilidade e confiança, é o do Comitê de Política Monetária do Banco Central, o Copom. Além de reduzir os juros básicos de 6,75% para 6,5% na quarta-feira, o comitê acenou com mais um possível corte na próxima reunião, marcada para maio. A inflação tem ficado abaixo das previsões e, além disso, o cenário externo continua favorável, sem sinal de aperto mais forte na política do Federal Reserve, o banco central americano. E o resto?
Bom, a nota distribuída depois da reunião do Copom, às 6 da tarde de quarta-feira, ainda menciona a pauta de ajustes e reformas como muito importante. Se falhar, pode mexer nas expectativas e desequilibrar todo o quadro. Mas a referência fica por aí, como se alguém tivesse incluído esse parágrafo, mais uma vez, apenas para cumprir tabela. Talvez tenha sido esse o caso.
Se a história vai por aí, os eminentes ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) talvez estejam certos. Suspenderam na quinta-feira uma das sessões mais importantes do ano, deram salvo-conduto provisório ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e adiantaram o feriado da Semana Santa.
O réu mais ilustre da Lava Jato poderá continuar tranquilo, pelo menos por alguns dias, se o Tribunal Regional Federal da 4.ª Região confirmar na segunda-feira, 26, sua condenação. Quanto aos meritíssimos do STF, só voltarão a bater ponto três dias depois da Páscoa. Poderão, enfim, julgar o pedido de habeas corpus a favor de Lula, recusado por cinco a zero no Superior Tribunal de Justiça (STJ). Se o concederem, darão diplomas de bobos aos cinco juízes. Afinal, esses ministros votaram com base na jurisprudência criada pelo STF. A bobagem terá consistido em levar a sério essa jurisprudência. Quem mandou acreditar?
É arriscado dizer se o habeas corpus será concedido ou negado. Bem mais difícil é prever se uma decisão dessa natureza ainda afetará os mercados.
Fonte: “Estadão”, 25/03/2018