O robusto influxo de investimento direto (ID) no Brasil, que ficou em US$75 bilhões em 2015, tem sido bastante celebrado. Para muitos, é a prova que o investidor estrangeiro continua avaliando o país positivamente, apesar da grave crise econômica e política. Não é bem assim.
Os números de fato são de encher os olhos, principalmente considerando a nova metodologia de apuração de ID, que passou a incorporar outros fluxos, como por exemplo, os lucros reinvestidos, antes contabilizados no balanço de serviços. Para se ter uma ideia do impacto da nova metodologia, que afetou mais sensivelmente os dados a partir de 2008, em função da disponibilidade de informações, em 2014, último ano de divulgação da antiga metodologia, o ID foi ampliado em mais de US$30 bilhões em comparação com o dado na antiga metodologia (US$97 bi e US$ 66 bi, respectivamente).
Houve uma mudança de patamar do market share do Brasil no ID global nos últimos anos. Ela saltou de uma média de 2,3% nos anos 2000 para 4,3% entre 2010-15, pela metodologia antiga, e de 2,5% para 6,4% pela nova metodologia, justamente o período de desaceleração da economia (com exceção de 2010).
Antes de mais nada, é importante mencionar que a taxa de crescimento econômico não parece ser uma variável-chave para explicar o apetite dos investidores. A relação entre fluxo de ID (como proporção do PIB) e taxa de crescimento do PIB dos países emergentes parece frágil. A literatura empírica internacional sobre investimento direto vai na mesma direção. Não é, portanto, privilégio do Brasil apresentar, ao mesmo tempo, crise econômica e volume respeitável de ID. Até a Rússia, também em recessão (queda de 3,8% no PIB de 2015) e particularmente afetada pela queda dos preços de petróleo, voltou a atrair investimentos diretos em 2015 após o tombo de 2014.
Mais importante que o ritmo de crescimento é o tamanho do mercado consumidor. Certamente há muito para o Brasil avançar nos rankings de competitividade e, assim, atrair investimentos. Mas o tamanho mercado consumidor tem provavelmente ajudado a dar resiliência ao ID. Vale lembrar que, entre emergentes, o Brasil é o terceiro maior mercado consumidor do mundo, segundo o Global Competitiveness Index. E na comparação com os principais mercados consumidores de emergentes, o Brasil se destaca por menores restrições à realização de ID, segundo índice da UNCTAD. Além disso, o crescente interesse dos investidores por países com maior disponibilidade de terras e recursos naturais também coloca o Brasil em posição vantajosa. Enfim, questões estruturais explicam em grande medida a resiliência do ID.
Outro ponto a ser ponderado é que o grupo de países emergentes tem atraído mais ID do que no passado. A participação de emergentes no ID global ficou em 55% em 2014 (estava em 39% há 10 anos), recorde da série iniciada em 1970. Assim, quando se considera não o market share do Brasil sobre o ID global, mas sobre o ID de emergentes, o salto do Brasil é bem mais modesto: de 7,6% nos anos 2000 para 9,5% entre 2010-14, na metodologia antiga (talvez mais apropriada nesta comparação, pois provavelmente a maioria do países emergentes não conduziu o ajuste metodológico).
Apesar dos números robustos, que ajudam a fechar as contas externas, nem todo ID representa investimento produtivo novo no país. Primeiro, porque parte do crescimento do ID se deu pelo aumento dos empréstimos intercompanhia. A participação desse item total tem oscilado bastante entre 20%-40% desde 2007, ante cifra anterior ao redor de 7% do ID total. Essa forma de investimento tem um componente anticíclico, pois quando o país cresce menos, afetando o desempenho das empresas locais e sua capacidade de captar recursos, a matriz no exterior tende a socorrer a empresa local. O diferencial de juros também tem papel relevante para atrair esses recursos, colocando em dúvida o quanto esses recursos se traduzem em investimento produtivo. Por este aspecto, o crescimento dos empréstimos intercompanhia, que foi expressivo nos últimos anos, não pode ser tomado com medida fiel do humor do estrangeiro em relação ao quadro brasileiro atual.
Um segundo ponto é que os dados de ID relacionados a novos projetos (greenfields) parecem baixos. Dados da UNCTAD indicam que a participação do investimento greenfields no Brasil está em queda em relação ao investimento direto total, tendo sido de apenas 30% do total em 2014 ante 87% em 2010. Este dado está em linha com a avaliação que a depreciação do Real pode ter contribuído para a aumentar o apetite dos estrangeiros em aquisições no Brasil.
Enfim, não se pode tomar o expressivo volume de ID no seu valor de face, por várias razoes. O aprimoramento metodológico na apuração do ID superestima a mudança de patamar do ID nos últimos anos, enquanto fatores transitórios, como a necessidade de socorrer as empresas locais e a depreciação cambial ajudam a inflar os dados. Além disso, fatores estruturais ajudam a manter os fluxos para Brasil, isso em um contexto de maior participação dos emergentes no ID global. Não à toa o ID e visto como fonte menos volátil de financiamento externo. Não se trata, portanto, de maior apetite por novos investimentos. Não por ora.
A evidencia empírica sugere que aumento do ID para investimento produtivo vem a reboque do ciclo de investimento doméstico. O ID não é gatilho para o ciclo de investimentos, mas pode ser importante elemento para seu fortalecimento.
O ID pode ajudar a disseminar melhores práticas de governança, ao estimular aperfeiçoamento do arcabouço legal dos países e a disciplinar as condutas dos governos. Há também possibilidade de ganhos de transferência de tecnologia e melhora do capital humano via treinamento da mão-de-obra. Assim sendo, pode ser um importante coadjuvante no aumento da produtividade dos países receptores.
O que a discussão acima sugere e que para atrair o investidor estrangeiro será necessário primeiro atrair o investidor doméstico. Arrumar a casa. Tomar os dados de ID como evidencia de que os estrangeiros estão confiantes com o Brasil seria um equívoco.
Fonte: “O Estado de São Paulo”, 1º de abril de 2016.
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