Desde a queda do Muro de Berlim, em 1989, a economia de mercado com propriedade privada dos meios de produção é praticamente o único modelo de organização da produção e distribuição dos bens e serviços adotado mundo afora.
No entanto, há enorme diversidade na maneira de organizar a economia de mercado.
Simplificando muito, é possível separar os diferentes modos de expressão do modelo “economia de mercado com propriedade privada dos meios de produção” em dois eixos.
O primeiro eixo diferencia as sociedades na existência ou não de um Estado de bem-estar social. Pode ou não haver oferta pública abundante de seguros públicos que protegem os cidadãos dos azares de uma economia de mercado: contra a pobreza, contra a perda de capacidade laboral em razão da incapacitação ou envelhecimento, contra doenças, contra desemprego etc.
Quando há oferta pública abundante de seguros, a carga tributária é elevada e o Estado será grande.
A diferenciação ao longo desse eixo define escolhas normativas. Não há nada na teoria econômica que indique que um modelo é melhor do que outro. Vale o gosto do freguês: maior dinamismo econômico e risco maior ou maior equidade e, para financiá-la, maior carga tributária. Temos a tradicional disjuntiva direita e esquerda como definida, por exemplo, por Norberto Bobbio.
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O segundo eixo estabelece o grau de intervenção do poder público no espaço econômico. Trata-se de saber se a regulação sobre a economia será mais ou menos pesada. Enfrentamos temas como: abertura da economia ao comércio internacional de bens e serviços, abertura da conta de capital, haver ou não muitos setores liderados por empresas estatais, o contrato de trabalho ser minuciosamente regulado ou não etc.
Essa dimensão dos diferentes modos de organizar o modelo “economia de mercado” não se associa diretamente à disjuntiva esquerda vs. direita. Por exemplo, tanto a ditadura militar, principalmente após o governo Geisel, quanto o governo petista, principalmente após a saída de Palocci da Fazenda, na virada de 2005 para 2006, eram intervencionistas.
Há de tudo neste mundão. Temos o modelo anglo-saxão —liberal nas duas dimensões—, o modelo escandinavo —pouco intervencionista, mas com Estado de bem-estar social abrangente—, o modelo de Europa latina —com mais intervenção e Estado de bem-estar social abrangente— e o modelo asiático —muito intervencionista e sem Estado de bem-estar social (isto é, com uma rede de proteção social mínima ou muito pequena comparada ao padrão médio do mundo ocidental).
Quando digo que a China é liberal, enfatizo a baixa carga tributária e a avareza do Estado de bem-estar social. Quando os economistas heterodoxos brasileiros afirmam que a China não é liberal, enfatizam o
intervencionismo.
Rótulo é menos importante. O que importa é o fenômeno.
A China cresce muito pois se trabalha muito, se poupa muito, se estuda muito e se investe muito? Ou cresce muito porque o BNDES deles é muito grande e se pratica muita política industrial?
Me parece que a primeira alternativa é a correta, enquanto para muitos de nossos heterodoxos a segunda opção é o fator decisivo para o sucesso do Leste Asiático. Essa discordância tem natureza positiva e não normativa.
O recente fracasso da nova matriz econômica no Brasil é um sinal de que, no mínimo, o tipo de intervenção asiática não funciona por aqui ou fizemos algo muito diferente do que os asiáticos fizeram.
Fonte: “Folha de S. Paulo”, 26/03/2018