Na vida de uma nação há sempre momentos cruciais em que as crenças e os valores da pátria são postos à prova. A batalha pela reforma da Previdência é um desses momentos. Ela testará nossa coragem de sepultar o País dos privilégios e edificar o Brasil onde todos serão tratados de maneira igual perante a lei. A batalha pela aprovação da reforma da Previdência será dura, árdua e longa. Por isso o governo precisa estar preparado para atuar em três frentes: comunicação, articulação política e neutralização de sabotadores.
A comunicação tem de focar numa mensagem positiva e compreensível para mobilizar os brasileiros. A sociedade não vai pressionar o Congresso para votar um tema pouco palpitante, como a necessidade de reformar a Previdência para equilibrar as finanças públicas. As pessoas só irão às ruas defender a reforma e pressionar os parlamentares se compreenderem que o sistema previdenciário é um antro de privilégios que tira dinheiro do nosso bolso, da saúde e da educação para sustentar uma casta de nababos do funcionalismo público que recebem aposentadoria 20 vezes maior do que a média do trabalhador brasileiro. O atual modelo previdenciário institucionalizou a desigualdade social no Brasil. Não existe tamanho disparate em nenhum país civilizado, em que o povo e os mais pobres financiam a aposentadoria milionária da elite do funcionalismo público. Qual é a nação civilizada em que a massa de aposentados recebe em torno de R$ 1 mil por mês, enquanto uma minoria de juízes e parlamentares recebe mais de R$ 20 mil?
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Portanto, a reforma da Previdência precisa acabar com privilégios, atacar as desigualdades e corrigir as injustiças do sistema. Ela tem de estabelecer regras de idade e de teto do valor de aposentadorias e pensões que sejam iguais para todos os brasileiros. Aqueles que desejarem ganhar mais do que o teto do INSS terão de contribuir para a sua própria aposentadoria.
Além de combater privilégios e desigualdades, o governo precisa mostrar que a reforma da Previdência vai melhorar a vida das pessoas e a qualidade do serviço público. A criação de um fundo de investimento público para converter parte das economias da Previdência em melhoria de serviços prioritários, como segurança e saúde, poderia ser um bom instrumento para mostrar que a reforma trará ganhos efetivos para o cidadão. A melhoria do serviço público é tão importante quanto o combate aos privilégios para mobilizar os brasileiros em torno da reforma da Previdência.
Mas para converter boas propostas em emenda constitucional é preciso conquistar votos no Congresso. A articulação política é uma peça-chave para a aprovação da reforma. Infelizmente, a ausência de articuladores competentes é o ponto fraco do governo. Primeiro, não há clareza de temas vitais. Bolsonaro e seus ministros lançam ideias para testar a reação da opinião pública e, em seguida, desmentem propostas que encontram resistência. A definição da idade de aposentadoria ilustra bem esse ponto. O ministro Paulo Guedes defendeu a idade mínima de 65 anos para homens e mulheres, mas o presidente Bolsonaro decidiu por 62 anos para as mulheres, mantendo os 65 para os homens. Mas até a data da votação no Congresso ainda poderá haver uma nova versão a esse respeito.
Segundo, o governo não tem uma bancada no Congresso que garanta a aprovação de uma emenda constitucional. De fato, a fragmentação partidária no Legislativo resultou na criação de uma frágil base de apoio ao governo. Não basta Bolsonaro ter sido ungido pela vitória das urnas para aprovar a reforma da Previdência. O presidente Fernando Henrique venceu Lula no primeiro turno, em 1994, surfando na popularidade do Plano Real, mas foi derrotado ao tentar reformar a Previdência. Tampouco Bolsonaro deve gabar-se da sua habilidade de se comunicar diretamente com o povo e de saber utilizar as mídias sociais com esmero. Não se acaba com um regime secular de privilégios com frases de efeito no Twitter e mensagens de WhatsApp. É preciso competência, persuasão e discrição para explicar, esclarecer e conquistar votos no Congresso, em que cada parlamentar considera o ônus político de votar. Essa é uma tarefa para hábeis negociadores, como é o caso do secretário da Previdência e Trabalho, Rogério Marinho, e do presidente da Câmara, Rodrigo Maia. Se Bolsonaro deixar a rédea solta, os fanfarrões que buscam os holofotes para exibir poder e influência arruinarão as negociações no Parlamento.
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Terceiro, não se pode descuidar de monitorar os sabotadores da reforma. Ninguém está disposto a perder privilégios em nome da Pátria e do bem-estar das próximas gerações. Os nababos do funcionalismo público, que estão prestes a perder as mordomias e os privilégios garantidos pelo atual sistema previdenciário, vão se mobilizar para tentar sabotar a votação da reforma. O governo Temer perdeu a chance de aprovar a reforma da Previdência quando, coincidentemente, foi vazada a gravação do áudio de uma estranha conversa do presidente com o empresário Joesley Batista na antevéspera da votação. Seria importante que a Casa Civil e o Gabinete de Segurança Institucional monitorassem atentamente o movimento dos potenciais sabotadores. Ademais, é imprescindível que o governo tome a iniciativa de desarmar as pautas-bomba que podem comprometer a votação da reforma. A relação mal explicada da família Bolsonaro com o amigo e motorista que movimentou recursos incompatíveis com o seu rendimento e o financiamento de candidatas laranjas do PSL são apenas alguns episódios que podem voltar a eclodir durante a votação da reforma.
Se o governo descuidar da comunicação, da articulação política e do monitoramento dos sabotadores, a reforma da Previdência será dilacerada pelo fisiologismo. O Brasil do fisiologismo precisa ser derrotado para libertar o País para a retomada do crescimento, do investimento e do emprego.
Fonte: “Estadão”, 16/02/2019