A menos de um mês das eleições presidenciais, a agência de classificação de risco Moody’s colocou a nota do Brasil em perspectiva negativa. A decisão foi interpretada pelo mercado como um sinal de alerta e chamou a atenção por se tratar de movimento atípico durante o processo eleitoral, divulgada um dia depois de a presidente Dilma Rousseff anunciar que o ministro da Fazenda, Guido Mantega, não deve permanecer no cargo num eventual segundo mandato. Com a manutenção da nota Baa2, o Brasil ainda tem grau de investimento — chancela atribuída a países considerados seguros para investir. Segundo a Moody’s, três fatores foram levados em conta para a mudança: o baixo crescimento por um longo período; o aumento do pessimismo, com impacto sobre os investimentos; e os desafios fiscais impostos por fatores como economia lenta e inflação alta, o que dificulta a melhora em indicadores de dívida (e o abandono da contabilidade criativa, segundo analistas). Colocar um “viés de baixa” na nota do país significa que a agência pode rebaixar a avaliação num prazo de 12 a 18 meses. Mesmo que essa hipótese se confirme, porém, o país ainda manteria o grau de investimento.
— As tendências econômicas que temos acompanhado no Brasil, com inflação alta, crescimento baixo e deterioração fiscal, são negativas. Se continuarem assim, será difícil manter o Brasil ao lado dos outros países com a mesma nota — disse Mauro Leos, analista sênior da Moody’s responsável pela avaliação do Brasil. — O dado recente sobre o PIB (que entrou em recessão técnica, com o resultado negativo em dois trimestres seguidos) foi a confirmação de que a situação era pior do que imaginávamos. As condições para o próximo governo serão piores do que prevíamos.
Bolsa cai 0,87%, no quinto pregão de queda
No mercado de ações, a decisão da Moody’s contribuiu para que o Ibovespa, índice de referência dos investidores, fechasse em queda de 0,87%, aos 58.676 pontos. Os negócios também foram afetados pela divulgação da pesquisa CNT/MDA, que mostrou redução da vantagem de Marina Silva (PSB) sobre Dilma num eventual segundo turno. Foi o quinto pregão seguido de queda. O dólar comercial subiu 0,92%, a R$ 2,28. Para Frederico Sampaio, diretor de Renda Variável da Franklin Templeton no Brasil, a notícia da Moody’s se misturou ao cenário político. Ele avalia que o mercado está mais preocupado com as pesquisas eleitorais.
— O momento dessa decisão da Moody’s é estranho, porque ela foi tomada no ápice da incerteza diante das eleições e quando há perspectiva concreta de mudança, independentemente de quem vencer — disse Maurício Molan, economista-chefe do Santander no Brasil.
Para o economista, os fatores mais preocupantes hoje são o patamar baixo de crescimento e a inflação alta, mas avalia que eles podem ser revertidos com ajustes nos próximos anos.
Carlos Kawall, economista-chefe do Banco Safra e ex-secretário do Tesouro, observa que, no início do ano, quando o governo se comprometeu a cumprir o superávit primário (economia para pagamento de juros da dívida) e cortou R$ 44 bilhões do Orçamento, a Moody’s havia deixado claro que era justamente isso que esperava do governo brasileiro. Para Kawall, foi a constatação de que o compromisso não seria cumprido que levou a Moody’s a alterar a perspectiva da nota antes das eleições.
— Se o candidato que vencer as eleições sinalizar alguma mudança, o Brasil terá o benefício da dúvida. Caso não haja nada, o país poderia ser rebaixado pela agência antes mesmo do que se imagina, ainda este ano. Mas já há sinais de mudança, por isso acho pouco provável que seremos rebaixados.
Para Rogério Freitas, sócio da gestora de recursos Teórica Investimentos, a mudança na perspectiva da nota do Brasil terá impacto na economia real, ainda que de forma secundária:
— O que a Moody’s fez foi sinalizar que, se isso continuar, são grandes as chances de haver um rebaixamento. As agências cumprem um papel dentro do sistema. Um alerta como esse pode fazer com que alguns investimentos sejam adiados ou que o custo de se fazer negócios no Brasil aumente na avaliação do investidor estrangeiro.
Em nota, o Ministério da Fazenda atribuiu a decisão da Moody’s a problemas conjunturais que prejudicaram o crescimento da economia no primeiro semestre, como demora na recuperação do mercado internacional, seca e menor número de dias úteis. A Fazenda ressalta, porém, que já existem sinais de recuperação e que a própria Moody’s reconhece a solidez da economia brasileira, que conta com um patamar elevado de reservas internacionais e pouca exposição cambial, entre outros aspectos.
A presidente Dilma se negou a comentar a perspectiva negativa da nota do Brasil. Indagada três vezes sobre o assunto, disse que preferia falar sobre banda larga, tema do evento do qual participou em São Paulo. Mais adiante voltou à economia.
— O Brasil tem todas as condições para se desenvolver e não é instável macroeconomicamente. Nós temos o que em matéria de dívida externa? Temos 11% da nossa dívida externa com credores externos. É muito fácil dizer: vou reduzir as reservas e, a cada vez que tiver uma crise, vamos para o Fundo Monetário Internacional? Faz 12 anos que não aparecemos lá como devedores, vamos como credores — disse.
Marina e Aécio veem fracasso e deterioração
A candidata do PSB, Marina Silva, comentou o assunto em entrevista após ato de campanha em Belo Horizonte e atribuiu o movimento da agência ao resultado da “política errática do governo”:
— O Brasil está vivendo um momento de fracasso na política econômica. É um momento também de descrédito político e isso está atrapalhando a credibilidade do nosso país. Para se recuperar a economia brasileira é fundamental que se tenha uma nova governança, que passe confiabilidade para que os investidores possam fazer investimentos de longo prazo.
Em nota, a Coligação Muda Brasil, do candidato Aécio Neves, do PSDB, disse que a decisão da Moody’s confirma a deterioração do quadro econômico do país. “Mostra que as conquistas econômicas e sociais do Brasil estão em risco por decisões equivocadas da política econômica, com exagerada flexibilização fiscal, que abalaram de maneira significativa a confiança dos investidores”, diz o texto.
No fim do dia, a Moody’s anunciou que também colocou em perspectiva negativa a nota de 15 instituições no país: Santander Brasil, HSBC, Safra, Citibank, Alfa, Bradesco, Itaú Unibanco, Itaú BBA, Itaú Unibanco Holding, Banco do Brasil, Votorantim, Caixa Econômica Federal, BNDES, BM&F Bovespa e ING Bank São Paulo.
Fonte: O Globo
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