Moradores conseguem impedir reajustes e até diminuir os vencimentos de políticos
Indignados com a qualidade do serviço público e com a recessão da economia brasileira, moradores de cidades do interior começaram a cobrar a diminuição dos salários dos vereadores. O protesto solitário de uma empresária na pequena cidade de Santo Antônio da Platina, no Paraná, ganhou repercussão inesperada e originou um efeito cascata. Pressionados pelas ruas, em movimentos surgidos em sua maioria nas redes sociais, os parlamentares de diversas cidades resolveram aderir à causa e aprovaram a diminuição de seus próprios vencimentos.
Em alguns casos, no entanto, a indignação terminou em confusão. Foi o que ocorreu na última quarta-feira durante uma sessão na Câmara municipal de Morrinhos, em Goiás, para votar a cassação de dois parlamentares por suspeita de contratação de servidores fantasmas. Um homem se revoltou ao saber que a votação seria secreta e arremessou uma pizza no vereador. Foi preso.
O movimento da redução dos salários começou com a dona de uma loja de presentes em Santo Antônio da Platina, cidade de 45 mil habitantes. Após ler em uma notinha de jornal que os vereadores aumentariam os salários em sessão extraordinária, Ana Luiza Lemos resolveu cobrar uma explicação. Foi à Câmara pela primeira vez em sua vida, no início de julho, e bateu boca com um vereador:
— Comecei a discutir com um vereador e falei que era uma vergonha. Fiquei indignada, bati na mesa e disse que aquilo que estava acontecendo era vergonhoso — diz Ana Luiza, cuja ação foi filmada por uma das 15 pessoas que acompanhavam a sessão; o vídeo foi publicado e mobilizou a cidade, e os vereadores foram forçados a diminuir os salários de R$ 3,7 mil para R$ 970.
Em Mauá da Serra, também no Paraná, padre Porto, religioso da Paróquia São Pedro, foi o símbolo da luta. Ele chegou a ser sabotado pelos vereadores, mas mobilizou a população.
— Agora, eles (vereadores) dizem que são meus amigos — conta o padre.
O caso ganhou notoriedade quando moradores souberam que os vereadores convocaram o bispo da região, Dom Celso, com a intenção de transferir o padre para outra cidade. Era uma retaliação às pregações do padre Porto, que dizia, nas missas, que o salário dos vereadores devia ser menor. A população apoiou o religioso, lotou a Câmara e conseguiu diminuir o salário dos parlamentares de R$ 3 mil para R$ 820, a partir de 2017.
Já em Jacarezinho, no norte do Paraná, os moradores conseguiram reduzir em 30% os salários dos vereadores. Em sessão realizada no dia 10 de agosto, a Câmara também concordou em revogar a emenda que tinha aumentado de nove para 13 o número de parlamentares na cidade.
Segundo o cientista político da UFRJ Jairo Nicolau, a Constituição de 1988 promoveu uma centralização política, esvaziando as Câmaras municipais. Para ele, esse movimento resgata vitalidade do Legislativo local:
— As Câmaras municipais perderam muito de sua vitalidade, e muitas dessas cidades praticamente se resumiram a fazer a pequena política de bairros. Espero que tenha um efeito de contágio, que se espalhe, sobretudo porque recoloca o poder local, que estava em segundo plano, na agenda. Tem efeito muito positivo para renovar a política — avalia.
Crise mobiliza moradores em Diadema (SP)
A insatisfação com a classe política política foi agravada pela crise econômica, que afetou, entre diversos setores, as montadoras. Em Diadema, no ABC paulista, muitos habitantes perderam os empregos com a redução, ou até a paralisação total, na produção de veículos. Alheios à realidade, os vereadores reajustaram, no dia 16 de julho, em 49% os próprios salários. O subsídio passaria de aproximadamente R$10 mil para pouco mais de R$15 mil, e valeria a partir da nova Legislatura, em 2017. A decisão foi o estopim para os protestos.
— O momento não é propício para aumentar o próprio salário em 49%, enquanto a população passa por dificuldade — critica o comerciante Eduardo Araújo, de 38 anos, organizador do movimento.
O aumento foi aprovado pelos parlamentares na última sessão antes do recesso. Ao saber da decisão, a população começou a se organizar e planejou, por meio das redes sociais, um protesto no retorno dos vereadores, dia 6 de agosto. Não foi necessário. A Câmara se antecipou ao protesto e convocou uma sessão extraordinária dois dias antes do retorno oficial para revogar o reajuste. Agora, os moradores buscam a redução no número de representantes e dos seus salários:
— Nossa intenção agora é fazer uma lei de iniciativa popular reduzindo o número de vereadores, de 21 para 11, e de assessores, de sete para três. Queremos igualar o salário do vereador ao do professor, hoje em R$ 2.700 — adianta Eduardo Araújo.
Em Diamantina, houve revolta com o 13º salário
Surgida no Paraná, a onda de protestos chegou também a Minas. Os mais de 45 mil moradores de Diamantina assistiram, em 3 de agosto, à criação do 13° salário para os 13 vereadores do município. A partir do desabafo de um morador em uma rede social, a população se organizou e conseguiu reverter a decisão, só uma semana após a sua criação.
— Depois da repercussão eu criei um evento na rede social. No próprio dia 10, quando fizemos o protesto, eles voltaram atrás — relembra o professor Emerson Araújo, de 29 anos, que já planeja o próximo passo: — Já redigimos um projeto de lei para que a população tenha controle sobre o aumento salarial de vereadores. A ideia é que todo reajuste precise passar por plebiscito.
Grupo propõe redução de 90% nos salários de vereadores de Curitiba
Na capital paranaense, um grupo de estudantes, liderado por Thiago Regis, de 18 anos, busca feito semelhante ao das pequenas cidades do estado. Ao lado de dois amigos, ele iniciou no mês passado uma campanha pela redução em 90% dos salários dos 38 vereadores de Curitiba. Hoje, o salário dos parlamentares é pouco mais de R$ 15 mil. Segundo o estudante, a ideia para propor a redução já existia, mas ganhou força após a ação semelhante em Santo Antônio de Platina e Jacarezinho.
– Quando vimos que deu certo lá, nós percebemos que também podia acontecer aqui. Criamos a página no Facebook no mês passado, e ela já conta com 5 mil curtidas. O interessante, também, é que estamos tendo contato com pessoas de outras cidades, como Londrina, para criar no futuro um movimento semelhante a nível estadual e, depois, nacional – planeja o jovem.
Se em cidades pequenas a pressão popular foi suficiente para que o legislativo municipal voltasse atrás imediatamente, o tamanho da população na capital, porém, é uma dificuldade extra. Atualmente, o abaixo-assinado conta com 4.500 assinaturas. Para obter 5% do eleitorado, no entanto, são necessárias as assinaturas de 60 mil pessoas, segundo Thiago:
– Ainda não apresentamos o projeto de lei, porque precisamos das assinaturas. Estamos fazendo eventos para recolher e tentando, também, encontrar voluntários para agilizar a coleta – conta o estudante que já conta com a solidariedade de pessoas até de outros estados: – Um funcionário público do Rio de Janeiro entrou em contato e doou uma tenda para organizar melhor a coleta. A estrutura, em breve, será melhor. Vamos conseguir fazer a ação em dias de chuva, por exemplo.
A iniciativa já despertou a atenção dos políticos locais. O grupo será recebido, na próxima quarta-feira, por dois vereadores dispostos a apoiá-los. Embora defendam a drástica redução no subsídio, Thiago afirma que estão dispostos a negociar para encontrar um valor justo para os parlamentares e para a população:
– Propomos que o salário chegasse a R$ 1,5 mil, mas aceitamos negociar, porque o salário em uma cidade grande precisa ser maior que em uma pequena, do interior. Mesmo não tendo apresentado um projeto, já lemos a nossa proposta na Tribuna da Câmara. Alguns parlamentares propuseram, por exemplo, um salário de R$ 7 mil. Acreditamos que dá pra chegar a um valor menor, como R$ 5 mil – conclui.
Fonte: O Globo
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