Acompanhando editoriais e artigos recentes dos grandes jornais, vejo com preocupação o avanço de um certo relativismo moral no imaginário social de parte considerável de nossas elites, que exclui a responsabilização criminal por escolhas de condutas sociais condenáveis por parte de cidadãos livres, ao repisar o falso argumento esquerdista de que, no fundo, “a culpa é da sociedade”. É a velha história: se todos somos culpados em sociedade, então ninguém é individualmente culpado de nada. Esta tem sido a nossa sina, não fossem as recentes manifestações dos cidadãos querendo nos mostrar exatamente o contrário: uma intensa busca coletiva por responsabilização política por tudo o que nos aflige. Para além da responsabilidade social das empresas, da responsabilidade fiscal dos governantes e da responsabilidade civil dos cidadãos.
Recentemente, o autor de um desses textos, o poeta Luis Turiba, debruçando-se sobre a onda de crimes no Rio de Janeiro cometidos por menores de idade — no artigo “O menino de Manguinhos” publicado em “O Globo” — optou pelo mesmo caminho torto de culpar a sociedade. Dentro da nossa mais perfeita tradição esquerdista de renegar o princípio do homo homini lupus hobbesiano em prol da utopia socialista rousseauniana do bom selvagem, cita um samba clássico de Wilson Batista: “Se o homem nasceu bom/ E bom não se conservou/ A culpa é da sociedade/ Que o transformou”.
[su_quote]Todos temos plena condição de responder por nossas condutas[/su_quote]
Não, caro poeta. Sabemos que o homem não nasceu como bom selvagem. Qualquer psicólogo infantil sabe que mesmo crianças podem ser manipuladoras e perversas. Somos bons e maus por natureza; vivemos em estado de pecado, como nos alertaram todas as grandes religiões da tradição judaico-cristã. Menos pela panaceia da educação, e mais pelo legado da formação do caráter do futuro cidadão pela família, religiões e instituições judiciárias, todos temos plena condição de responder por nossas condutas.
Aliás, não é por outra razão que a condição do livre arbítrio é mais da alçada das doutrinas religiosas do que das doutrinas políticas, mesmo que liberais. Retirar desta equação a responsabilidade individual e tentar substituí-la por uma tese coletivista simplista não ajuda a compreender o fenômeno e a encaminhar soluções. Esse relativismo moral é o cerne da verdadeira crise de responsabilidade que vivemos. A responsabilidade dos pais, que se omitem na difícil e exaustiva tarefa de educar seus filhos; a responsabilidade do Estado, que se omite em fornecer educação moral e ainda contamina de doutrinação a já precária educação formal; e a responsabilidade da mídia, que se omite em transmitir os valores e conceitos da moralidade pública e do protagonismo da cidadania, preferindo o discurso fácil da delinquência política sem-fim. O resultado é claro: o relativismo moral celebrado no imaginário de nossas elites acaba “justificando” como fatalidade a imoralidade da vida pública.
Fonte: O Globo, 19/6/2015
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